Não esperes por mim,
Para viver
Não esperes
Para sonhar
Não esperes por mim
Para te escrever…
Ou para te desenhar,
Não esperes
Por mim
Mais,
Não esperes mais por mim
Enquanto o sol for o meu sofrer.
08/01/2024
Não esperes por mim,
Para viver
Não esperes
Para sonhar
Não esperes por mim
Para te escrever…
Ou para te desenhar,
Não esperes
Por mim
Mais,
Não esperes mais por mim
Enquanto o sol for o meu sofrer.
08/01/2024
estou vivo,
dentro desta estrada, de
único sentido, sem saídas de emergência
estou vivo,
enquanto o meu quintal
está recheado de flores, mas o meu quintal é uma prisão de ventre
e nem com DULCOLAX lá vai
estou vivo
quando a minha vida mais
parece uma diarreia
do que vida
e é a minha vida
estou vivo
enquanto alguém me espeta
espadas no peito
e eu sorrio
porque estou vivo
estou vivo
estou vivo
enquanto faço o meu
cigarro, enquanto, depois, saboreio o meu cigarro, estou vivo quando acordam as
margaridas da manhã, e ao longe, vem a tempestade
estou vivo
enquanto converso com deus,
enquanto trocamos alguma ideias, coisas de artistas
e de estarmos vivos
eu e ele
mais vivo ele
do que eu vivo
estou vivo
enquanto termino cesariny
enquanto, faço uma pausa,
enquanto me preparo para começar a ler eugénio de andrade
poeta do amor
da paixão
de estar vivo
ficando à minha espera o al
berto
ele esperará por mim
estou vivo
cintilante maré de sémen
dos últimos cartazes
afixados no teu peito
onde eu escrevi
que estou vivo
e que para estar vivo
preciso de viver
estou vivo
enquanto converso com deus,
damos as mãos
estou vivo
quando vêm a mim as
lágrimas do rés-do-chão
disfarçadas de fome
estou vivo
sabendo que os não vivos
são os mais felizes
estão mais descansados
com a vida
de estar morto
estou vivo
semeio nas minhas mãos sífilis
e afins
pela janela
olho o transito
e dou-me conta que estou
vivo
estou vivo
enquanto durante a noite
colo na janela os vidros que voaram com o sono
estou vivo
enquanto o vidro se transforma
em cinza
e em pele de adornar
estou vivo
sem saídas de emergência
estou vivo
estou vivo
enquanto a trapezista do
circo da minha
vida
treina um número muito
perigoso para apresentar ao público
e o público
não pareceu
estar vivo
estou vivo
candeeiro de tripé, que
ilumina este livro, e estou vivo
porque leio
este livro
estou vivo
senhor antónio
estou vivo
senhora maria
de estarmos vivos
de termos sabedoria
e poesia
estou vivo
deus
estou vivo
vivo de ti.
07/01/2024
Felizes todos aqueles que
estão mortos,
Felizes aqueles que
estando vivos,
Estão mortos.
Felizes os pássaros, os
ramos das árvores, onde os pássaros descansam,
Felizes as árvores,
felizes os frutos das árvores,
Felizes todos aqueles que
não têm casa, para que serve uma casa, quando a casa,
Arde.
Feliz esta fogueira, que
me aquece, que às vezes conversa comigo, que às vezes…
Felizes.
Felizes todas as flores, excepto
uma ou duas, felizes as lápides onde têm a fotografia de alguém que amamos
muito e que apenas serve
Para nos recordar.
Felizes todas as
andorinhas que trazem a Primavera, e que se diga, a mim, deprime-me
Feliz a Primavera de uns
e o Inverno de outros,
Felizes todas as ervas
daninhas, que ninguém lhes liga,
Feliz a minha televisão,
que quase não a ligo, que quase não a sinto
Feliz.
Felizes todas as bocas do
mar, felizes todos os olhos do mar,
Felizes as tempestades,
que deixam sobre o mar,
O tédio,
A insónia,
Felizes
Felizes todas as mãos que
se masturbam na inocência da noite, quando o dia parece que está encalhado
junto à tua janela,
Felizes todos aqueles que
estão mortos,
Felizes aqueles que
estando vivos,
Estão mortos,
Mortos felizes.
07/01/2024
Sinto o teu corpo rasurado
pela minha boca, no planalto hemisfério, à deriva na tua mão,
Sinto a espuma manhã, do
teu cabelo, neste complexo silêncio, nesta sanzala de cadáveres, uns que se
amaram loucamente, outros, loucamente se odeiam.
Sinto a razão de estar
vivo, quando o suicídio é a razão,
Sinto o telintar das
estrelas nos teus olhos,
Que olham o mar.
Sinto o teu corpo
rasurado pela minha boca, sinto que este navio viaja apenas durante a noite, e
em sucessivos círculos,
Sinto que o comandante
deste navio, amanhecer de um metro e setenta e cinco centímetros, e muito belo,
está perdido no oceano capilar quando o vento traz as primeiras lágrimas do
silêncio,
Amanhã, talvez.
Eu me sinta.
Sinto o teu corpo na
fogueira das minhas mãos, onde deixo todos os meus medos e todas as minhas parvoíces,
Que te sinto.
Sinto este cigarro que
arde, e imagino-me a arder, como ele, na tua boca…
Sinto os teus doces
lábios de mel, pergaminho dos meus lábios, em guarida convenção, em traços de
simetria, sobre a mesa, sobre a tua cabeça,
Sinto a música que oiço,
que não queria ouvir, porque às vezes não quero ouvir nada,
Tão pouco sentir o teu
corpo rasurado pela minha mão,
Numa noite de insónia.
Sinto que aos poucos me
despeço das palavras que não quero escrever, sinto que me despeço da poesia, a
cada noite nos teus olhos,
Sinto que o meu primeiro
beijo, foi um fracasso,
Sinto que a minha
espingarda deixou de disparar, e quando dispara, são meia-dúzia de mangas que
morrem num quintal em Luanda,
Onde um menino me espera,
E sente,
Como eu…
O teu corpo rasurado pela
minha boca, no planalto hemisfério, à deriva na tua mão.
07/01/2024
Dó ré o sol
Pedaço de mim que canta
na alvorada, pedaço, um pequenino pedaço e mais nada,
Dó ré mi,
Fá,
Morreu antes de acordar a
manhã,
Morreu,
Antes de acordar.
Os da direita tocam flautear
cansaço
Os da esquerda
Silenciam-se,
Os do centro tocam
trompete,
Sorri a Arlete,
Batem palamas os
espectadores,
Brincam junto ao palco,
Crianças e flores,
E no ar grãozinhos de
pó-talco,
E no ar…
Nuvens de espuma,
Segredos do mar.
A orquestra vai contra o luar.
O maestro,
Saltita como saltitam os
musseques,
Esconde-se,
Como se esconde o capim,
antes da chuva,
E desenha madrugadas com
o olhar.
Dó ré o sol
Pedaço de mim que canta
na alvorada, pedaço, um pequenino pedaço e mais nada,
Dó ré mi,
Fá,
A orquestra cometerá
dentro em breve,
06/01/1014
Cheguei a casa, a casa
estava vazia, sem ninguém,
A casa estava fria,
estava,
A casa me abraçava,
Estava
Fria a casa,
Muito fria.
Muito só.
A casa estava e em
lágrimas também,
A casa estava fria, a
casa estava…
Estava a casa fria,
Estava
Estava o dia
E mais alguém,
A casa estava fria,
estava, muito fria,
A casa já não tinha
poetas, a casa já não tinha poesia,
A casa,
A casa estava fria,
Fria…
Como ela estava
Só e vazia!
06/01/2024