segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

O meu sofrer

 

Não esperes por mim,

Para viver

Não esperes

Para sonhar

Não esperes por mim

Para te escrever…

Ou para te desenhar,

 

Não esperes

Por mim

Mais,

Não esperes mais por mim

Enquanto o sol for o meu sofrer.

 

 

08/01/2024

Porquê?

 

Pergunto-me…

Porquê?

 

… e nunca o saberei!

 

08/01/2024

domingo, 7 de janeiro de 2024

Estou vivo

 

estou vivo,

dentro desta estrada, de único sentido, sem saídas de emergência

estou vivo,

enquanto o meu quintal está recheado de flores, mas o meu quintal é uma prisão de ventre

e nem com DULCOLAX lá vai

estou vivo

quando a minha vida mais parece uma diarreia

do que vida

e é a minha vida

 

estou vivo

enquanto alguém me espeta espadas no peito

e eu sorrio

porque estou vivo

estou vivo

 

estou vivo

enquanto faço o meu cigarro, enquanto, depois, saboreio o meu cigarro, estou vivo quando acordam as margaridas da manhã, e ao longe, vem a tempestade

estou vivo

enquanto converso com deus, enquanto trocamos alguma ideias, coisas de artistas

e de estarmos vivos

eu e ele

mais vivo ele

do que eu vivo

 

estou vivo

enquanto termino cesariny

enquanto, faço uma pausa, enquanto me preparo para começar a ler eugénio de andrade

poeta do amor

da paixão

de estar vivo

ficando à minha espera o al berto

ele esperará por mim

 

estou vivo

cintilante maré de sémen

dos últimos cartazes afixados no teu peito

onde eu escrevi

que estou vivo

e que para estar vivo

preciso de viver

 

estou vivo

enquanto converso com deus, damos as mãos

estou vivo

quando vêm a mim as lágrimas do rés-do-chão

disfarçadas de fome

estou vivo

sabendo que os não vivos

são os mais felizes

estão mais descansados

com a vida

de estar morto

 

estou vivo

semeio nas minhas mãos sífilis e afins

pela janela

olho o transito

e dou-me conta que estou vivo

estou vivo

enquanto durante a noite colo na janela os vidros que voaram com o sono

estou vivo

enquanto o vidro se transforma em cinza

e em pele de adornar

 

estou vivo

sem saídas de emergência

estou vivo

 

estou vivo

enquanto a trapezista do circo da minha

vida

treina um número muito perigoso para apresentar ao público

e o público

não pareceu

estar vivo

estou vivo

candeeiro de tripé, que ilumina este livro, e estou vivo

porque leio

este livro

 

estou vivo

senhor antónio

estou vivo

senhora maria

de estarmos vivos

de termos sabedoria

e poesia

 

estou vivo

deus

estou vivo

 

vivo de ti.

 

 

07/01/2024

Felizes mortos

 

Felizes todos aqueles que estão mortos,

Felizes aqueles que estando vivos,

Estão mortos.

 

Felizes os pássaros, os ramos das árvores, onde os pássaros descansam,

Felizes as árvores, felizes os frutos das árvores,

Felizes todos aqueles que não têm casa, para que serve uma casa, quando a casa,

Arde.

 

Feliz esta fogueira, que me aquece, que às vezes conversa comigo, que às vezes…

Felizes.

Felizes todas as flores, excepto uma ou duas, felizes as lápides onde têm a fotografia de alguém que amamos muito e que apenas serve

Para nos recordar.

 

Felizes todas as andorinhas que trazem a Primavera, e que se diga, a mim, deprime-me

Feliz a Primavera de uns e o Inverno de outros,

Felizes todas as ervas daninhas, que ninguém lhes liga,

Feliz a minha televisão, que quase não a ligo, que quase não a sinto

Feliz.

 

Felizes todas as bocas do mar, felizes todos os olhos do mar,

Felizes as tempestades, que deixam sobre o mar,

O tédio,

A insónia,

Felizes

Felizes todas as mãos que se masturbam na inocência da noite, quando o dia parece que está encalhado junto à tua janela,

 

Felizes todos aqueles que estão mortos,

Felizes aqueles que estando vivos,

Estão mortos,

 

Mortos felizes.

 

 

07/01/2024

Poesia do sentir

 

Sinto o teu corpo rasurado pela minha boca, no planalto hemisfério, à deriva na tua mão,

Sinto a espuma manhã, do teu cabelo, neste complexo silêncio, nesta sanzala de cadáveres, uns que se amaram loucamente, outros, loucamente se odeiam.

 

Sinto a razão de estar vivo, quando o suicídio é a razão,

Sinto o telintar das estrelas nos teus olhos,

Que olham o mar.

 

Sinto o teu corpo rasurado pela minha boca, sinto que este navio viaja apenas durante a noite, e em sucessivos círculos,

 

Sinto que o comandante deste navio, amanhecer de um metro e setenta e cinco centímetros, e muito belo, está perdido no oceano capilar quando o vento traz as primeiras lágrimas do silêncio,

 

Amanhã, talvez.

 

Eu me sinta.

Sinto o teu corpo na fogueira das minhas mãos, onde deixo todos os meus medos e todas as minhas parvoíces,

 

Que te sinto.

 

Sinto este cigarro que arde, e imagino-me a arder, como ele, na tua boca…

 

Sinto os teus doces lábios de mel, pergaminho dos meus lábios, em guarida convenção, em traços de simetria, sobre a mesa, sobre a tua cabeça,

Sinto a música que oiço, que não queria ouvir, porque às vezes não quero ouvir nada,

Tão pouco sentir o teu corpo rasurado pela minha mão,

 

Numa noite de insónia.

 

Sinto que aos poucos me despeço das palavras que não quero escrever, sinto que me despeço da poesia, a cada noite nos teus olhos,

Sinto que o meu primeiro beijo, foi um fracasso,

Sinto que a minha espingarda deixou de disparar, e quando dispara, são meia-dúzia de mangas que morrem num quintal em Luanda,

 

Onde um menino me espera,

E sente,

Como eu…

O teu corpo rasurado pela minha boca, no planalto hemisfério, à deriva na tua mão.

 

 

07/01/2024

sábado, 6 de janeiro de 2024

A orquestra

 

Dó ré o sol

Pedaço de mim que canta na alvorada, pedaço, um pequenino pedaço e mais nada,

Dó ré mi,

Fá,

Morreu antes de acordar a manhã,

Morreu,

Antes de acordar.

 

Os da direita tocam flautear cansaço

Os da esquerda

Silenciam-se,

Os do centro tocam trompete,

 

Sorri a Arlete,

Batem palamas os espectadores,

Brincam junto ao palco,

Crianças e flores,

E no ar grãozinhos de pó-talco,

E no ar…

Nuvens de espuma,

Segredos do mar.

 

A orquestra vai contra o luar.

O maestro,

Saltita como saltitam os musseques,

Esconde-se,

Como se esconde o capim, antes da chuva,

E desenha madrugadas com o olhar.

 

Dó ré o sol

Pedaço de mim que canta na alvorada, pedaço, um pequenino pedaço e mais nada,

Dó ré mi,

Fá,

 

A orquestra cometerá dentro em breve,

 

 

06/01/1014

A casa

 

Cheguei a casa, a casa estava vazia, sem ninguém,

A casa estava fria, estava,

A casa me abraçava,

Estava

Fria a casa,

Muito fria.

Muito só.

 

A casa estava e em lágrimas também,

A casa estava fria, a casa estava…

Estava a casa fria,

Estava

Estava o dia

E mais alguém,

 

A casa estava fria, estava, muito fria,

A casa já não tinha poetas, a casa já não tinha poesia,

A casa,

A casa estava fria,

Fria…

Como ela estava

Só e vazia!

 

 

06/01/2024