sábado, 18 de novembro de 2023

Revolto mar

 Percebo que o mar que tenho dentro de mim

Está revolto, percebo que este mar, desde muitos anos, está cansado, do meu corpo,

Percebo que este mar, que transporto desde criança, um dia,

Um dia terá de morrer.

 

Um dia, quando os meus poemas forem os teus lábios em gramas de sorriso,

Percebo que este mar, este mar que é meu, agora, percebo

Que um dia, vai morrer.

Ficarei com a maré, ficarei com os barcos deste mar,

E um dia,

E um dia terá de morrer.

 

Percebo, meu amor, percebo que o mar que tenho dentro de mim

Está só, percebo, que este mar, que este mar não pertence ao meu corpo,

Cálice com veneno, que ao peque-almoço te dou, com as mágoas dos meus poemas.

Um dia, um dia, meu amor, um dia hei-de matar este mar,

Um dia hei-de assassinar este mar,

Este mar que não é o meu mar…

O meu mar, meu amor, o meu mar era salgado, este,

Este é doce, e meigo.

 

E desajeitado

 

 

18/11/2023

Não sei o que te escrever, Meu amor,

Não sei o que te escrever, não sei que palavras escolher para te enviar, quando desejo pegar na tua mão e ficar escondido do Sol a ver passear o mar.

Não sei porque estou aqui, meu amor.

Não o sei,

Sentado. Não sei o que te escrever, e até desconfio que não sei escrever, que não tenho palavras suficientes para te enviar,

Quando a lua vestida de oiro, quando a lua cortada em quatro pedacinhos, é apenas uma imagem de ti, e dos teus lábios, quando o sorriso desperta no teu rosto de amêndoa.

Não sei porque sou eu, quando devia ser outro a escrever-te, mas Deus incumbiu-me

De te escrever,

E serei eu, e serei eu apenas aquele que te escreve,

Mas sei o que te enviar,

Não sei o que te escrever, meu amor, quando o mar que vejo passear me parece uma laranja cortada em quatro pedacinhos.

De coisa alguma.

De coisa de nada.

 

Não sei o que te escrever, meu amor, não sei que palavras inventar para descrever a tua beleza, de Galáxia adormecida ou de nave espacial.

E todos os planetas do sistema solar vêm em nosso auxilio, vêm a nós e com eles as prometidas palavras, que eu não tenho, para te escrever,

As tuas mãos, meu amor, se as tuas mãos escrevessem no meu rosto cartas de amor,

Palavras proibidas, simples palavras, palavras minhas, que eu não tenho, meu amor,

Peço-te perdão por não ter palavras para te enviar…

Quando daqui a pouco é dia, quando daqui a pouco acorda a primeira lágrima da manhã, no teu rosto, o incêndio, o desejo,

Não tenho palavras para te escrever,

Nem sei o que te escrever.

 

Não sei o que te escrever, e, no entanto, sinto-me leve, solto de amarras e liberto de todo o sistema solar, o ausente, quele que não tem palavras, para te enviar, meu amor.

Às vezes pareço uma estátua, de velho granito, de frio, no silêncio da noite, quando pego na tua mão invisível, e coloco-a no meu peito, depois…

Ficamos lá, sós.

 

Não sei o que te escrever, não sei. E tantas palavras que eu tinha para te enviar, tantas, tantas,

Agora,

Não.

Não tenho palavras para te enviar. Deixei de ver o sol e de ver o mar a passear, deixei de ouvir música e comecei a ouvir poesia,

Se ao menos, meu amor, se ao menos gostasses de poesia,

Ficavas nos meus braços a ouvir Herberto Helder, mas tu detestas poesia, e adoras os meus braços,

Que hei-de eu escrever-te, quando a noite treme de frio, quando no silêncio de uma casa, nasce uma criança,

Não sei meu amor,

Não sei o que te escrever, hoje, sábado de madrugada,

No silêncio das tuas mãos, as palavras, não sei o que te escrever,

Meu amor,

Quando vejo passear o mar.

 

 

 

18/11/2023

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Cidade

 Não sei o nome desta cidade.

Estou perdido nesta cidade de embustes,

De ruas e ruelas,

De sombras e de esconderijos,

Não sei o nome desta cidade,

 

Deste poiso nesta réstia de cidade…

Onde caminho à procura do mar,

Não sei o nome,

O meu nome entre as paredes desta cidade,

Desta cidade de sonâmbulos,

 

Sem nome,

Todos,

Os nomes desta cidade,

Que engole o fogo,

Não sei o nome,

 

O nome desta cidade,

Nesta cidade abraçada ao rio.

E procuro nesta cidade

Os pássaros que fugiram do meu jardim,

De uma outra cidade,

 

Não sei o nome desta cidade.

Estou perdido nesta cidade de esqueletos marinhos,

De barcos em banho-maria,

Nesta cidade perdida,

Sem nome esta cidade.

 

 

17/11/2023

Flor em seu tempo

 Flor em seu tempo

Do jardim paradisíaco do silêncio amanhecer

Teu nome escrito na minha mão

Teu nome em mim

Escrito e desenhado no meu coração

Flor do teu viver

Flor só nos braços do vento

Neste paradisíaco jardim,

 

Flor em seu tempo

Do tempo envenenado

Minha flor,

Em flor este verso apaixonado

Flor que é alimento

Do tempo sem dor,

 

Flor em seu tempo

Quando o tempo parece dormir

Do tempo sem tempo de cantar

No tempo madrugada,

Flor em desejo amar

Do teu alegre sorrir…

Quando este sentimento…

É uma é sílaba cansada.

 

 

17/11/2023

Casa

 Regresso a esta casa vazia

Aos teus braços que amparam o meu silenciar

Abro uma garrafa de poesia

E dispenso o jantar

 

A luz está apagada

As tuas mãos sabem a maresia

Regresso a esta casa vazia

A esta casa amordaçada

 

As tuas mãos sabem a mar

E a flores sepultadas

Esta casa parece o teu doce olhar

Esta casa não tem madrugadas

 

Regresso a esta casa vazia

Aos teus braços de amanhecer

Nos teus lábios um novo dia

Do dia de viver.

 

 

17/11/2023

Olhar

 Os dias sem ninguém, nos dias de nada,

Todos os dias em desespero, nos dias sem madrugada,

Os dias inconstantes, dos dias amargurados,

Todos os dias, nos dias cansados,

 

Os dias sem noite, quando o dia é apenas a escuridão,

Nos dias transparentes, dos dias que escondo no meu coração,

São estes os dias, os dias sem ninguém…

À espera dos dias de alguém,

 

Nos dias de um simples olhar.

Os dias sem ninguém, aos dias do mar,

Quando os dias são apenas a imaginação…

Dos dias que escondo na minha mão.

 

 

17/11/2023

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Baleizão

 Este corpo não me pertence.

Utilizo estas mãos,

Que não são minhas,

E que não pertencem ao corpo que não me pertence.

Estes olhos, não me pertencem,

E, no entanto, uso-os

Como se fossem os meus olhos;

Que não são os deste corpo,

Neste corpo onde habito,

Deste corpo amaldiçoado,

Cansado,

Às vezes tão triste,

Que engana a fome com o silêncio.

 

Este corpo não me pertence.

Este corpo emprestado numa noite de neblina,

Reconheço que fui enganado,

Deram-me este corpo a troco de uns míseros poemas…

E como se vê, enganaram-me;

Os poemas eram lindos,

Este corpo…

Este corpo não me pertence,

Não tenho corpo,

E tenho um coração que não é o meu,

Que está dentro deste corpo que não me pertence,

E que às vezes chora, e que às vezes, amua…

 

Este corpo não é o meu.

Não, nunca poderá ser o meu.

Este corpo não tem peso, o meu corpo, pesava saudade,

Este corpo não me pertence,

Não é o meu…

Este corpo é ausência,

Este corpo é vidro disfarçado de xisto,

Esconde-se na montanha,

Olha de soslaio o rio…

E grita,

Grita…

Mas ninguém o apanha.

 

Este corpo não me pertence, este corpo não pode ser o meu,

Este corpo chora, o meu corpo, nunca tinha chorado,

O meu outro corpo, nunca tinha amado,

E, no entanto, deram-me este misero corpo,

Flácido,

Às vezes parece uma bola de papel,

Outras vezes, nem uma coisa nem a outra…

Quando o rio se cansa deste corpo,

E do mar regressam outros corpos,

Outras Nações distantes,

Este corpo ausente, este corpo doente,

Este corpo que não é o meu,

Que fuma os cigarros do meu outro corpo…

Quando se vai embora a Primavera.

 

Este corpo apedrejado pelo medo,

Este corpo não pode ser o corpo, o meu corpo,

Com que passeei junto ao Tejo…

 

Este corpo esconde-se, às vezes,

Este corpo não é o meu, o corpo meu que despi e lancei ao mar,

Este corpo amargurado,

Profundamente enganado quanto ao corpo,

Procura dentro da algibeira, o cartão de embarque

Rumo ao Musseque…

Este corpo não me quer,

Este corpo não me obedece,

Eu quero ir para a esquerda,

O meu corpo, que não pode ser o meu corpo,

Vai para a direita.

 

Eu quero descer as escadas,

E este corpo,

Sobe-as em direcção ao Céu.

 

Este corpo não me pertence,

Este corpo disfarçado de nada,

Que escreve nas paredes de outros corpos,

De outras casas,

Com janelas,

Sem janelas,

Com escadas,

Sem escadas,

Este corpo se perde,

Este corpo se engana,

Este corpo… pára;

No semáforo do Baleizão…

 

Este corpo que eu não quero,

Este corpo que não é o meu,

Este corpo que não me pertence,

Que me ignora,

E me sussurra na madrugada;

Coisas de outros corpos.

Coisas.

Apenas coisas, que este corpo dispensa, que este corpo não quer…

Este corpo só,

Este corpo em dó,

E em ré,

Este corpo que não é o meu,

Este corpo que não tem fé,

E acredita, que um dia, vai ter o corpo que é dele.

 

 

16/11/2023