Este corpo não me
pertence.
Utilizo estas mãos,
Que não são minhas,
E que não pertencem ao
corpo que não me pertence.
Estes olhos, não me
pertencem,
E, no entanto, uso-os
Como se fossem os meus
olhos;
Que não são os deste
corpo,
Neste corpo onde habito,
Deste corpo amaldiçoado,
Cansado,
Às vezes tão triste,
Que engana a fome com o
silêncio.
Este corpo não me
pertence.
Este corpo emprestado
numa noite de neblina,
Reconheço que fui
enganado,
Deram-me este corpo a
troco de uns míseros poemas…
E como se vê,
enganaram-me;
Os poemas eram lindos,
Este corpo…
Este corpo não me
pertence,
Não tenho corpo,
E tenho um coração que não
é o meu,
Que está dentro deste
corpo que não me pertence,
E que às vezes chora, e
que às vezes, amua…
Este corpo não é o meu.
Não, nunca poderá ser o
meu.
Este corpo não tem peso,
o meu corpo, pesava saudade,
Este corpo não me
pertence,
Não é o meu…
Este corpo é ausência,
Este corpo é vidro
disfarçado de xisto,
Esconde-se na montanha,
Olha de soslaio o rio…
E grita,
Grita…
Mas ninguém o apanha.
Este corpo não me
pertence, este corpo não pode ser o meu,
Este corpo chora, o meu
corpo, nunca tinha chorado,
O meu outro corpo, nunca
tinha amado,
E, no entanto, deram-me
este misero corpo,
Flácido,
Às vezes parece uma bola
de papel,
Outras vezes, nem uma
coisa nem a outra…
Quando o rio se cansa
deste corpo,
E do mar regressam outros
corpos,
Outras Nações distantes,
Este corpo ausente, este
corpo doente,
Este corpo que não é o
meu,
Que fuma os cigarros do
meu outro corpo…
Quando se vai embora a
Primavera.
Este corpo apedrejado
pelo medo,
Este corpo não pode ser o
corpo, o meu corpo,
Com que passeei junto ao
Tejo…
Este corpo esconde-se, às
vezes,
Este corpo não é o meu, o
corpo meu que despi e lancei ao mar,
Este corpo amargurado,
Profundamente enganado
quanto ao corpo,
Procura dentro da
algibeira, o cartão de embarque
Rumo ao Musseque…
Este corpo não me quer,
Este corpo não me
obedece,
Eu quero ir para a
esquerda,
O meu corpo, que não pode
ser o meu corpo,
Vai para a direita.
Eu quero descer as
escadas,
E este corpo,
Sobe-as em direcção ao
Céu.
Este corpo não me
pertence,
Este corpo disfarçado de
nada,
Que escreve nas paredes
de outros corpos,
De outras casas,
Com janelas,
Sem janelas,
Com escadas,
Sem escadas,
Este corpo se perde,
Este corpo se engana,
Este corpo… pára;
No semáforo do Baleizão…
Este corpo que eu não
quero,
Este corpo que não é o
meu,
Este corpo que não me
pertence,
Que me ignora,
E me sussurra na
madrugada;
Coisas de outros corpos.
Coisas.
Apenas coisas, que este
corpo dispensa, que este corpo não quer…
Este corpo só,
Este corpo em dó,
E em ré,
Este corpo que não é o
meu,
Este corpo que não tem
fé,
E acredita, que um dia,
vai ter o corpo que é dele.
16/11/2023