terça-feira, 14 de novembro de 2023

O poema da saudade

 Este barco não consegue parar,

Pelas dezasseis horas e trinta minutos, junto à ponte, o corpo dela mergulhava numa poça de sangue do tamanho de uma moeda, ao longe, o apito do comboio a anunciar a vinda da outra margem, baixo-me, pego-lhe na mão e dou-me conta que ainda tinha pulso, e percebo que lentamente, ela ainda respirava,

Pedi ajuda.

Gritava enquanto ligava para o 112, atenderam-me e depois de muitas perguntas, a maior parte delas, eu não sabia responder,

Oiço um forte suspiro mais parecendo um sismo, e deixo de ouvir, deixo de ouvir os barcos, o comboio, deixei de ouvir a minha própria respiração, depois,

Ela morreu.

Este barco não consegue parar, o comandante, homem de meia-idade, com aproximadamente um metro e oitenta centímetros de altura, percorria o convés, de um lado para o outro, fumava cachimbo e trazia na mão uma pequena folha em papel.

O vento trazia-nos a noite e dela absorvíamos as tristes palavras do luar, ela assobiava, ele, de mãos nos bolsos e de passo apressado para enganar a escuridão, ao passar junto ao bar de oficiais, uma sombra desfere-lhe um murro no estômago,

Seu cabrão, só as putas é que andam com as mãos nos bolsos…

Percebi que tinha chegado ao Inferno.

Ela morreu.

Deixa meia-dúzia de pertences e um filho que mantinha escondido num quinto andar de um quarto de pensão, o puto, de seu nome Alfredo, quando começou a desenhar-se na sua mão a noite e vestido de solidão, chorava e gritava pela mãe,

A mãe, de engate em engate, procurava a última côdea de pão que só a noite lhe conseguia dar,

Que tens, Alfredo?

O puto, ouvindo a voz da dona da pensão, calou-se e começou a desenhar nas paredes bolorentas e de gesso do quarto de pensão, as lágrimas do silêncio, e no pavimento,

Desenhou a saudade.

Este barco não consegue parar, trago na mão o poema da saudade, e aproveitando a pausa para encher o cachimbo, dou-me conta que uma criança brinca no convés com um boneco,

Como se chama, ele?

Chapelhudo.

Chama-se chapelhudo.

 

 

14/11/2023

Escrivão

 Escrevo nos teus olhos de mar,

Amo-te,

Escrevo nos teus lábios de mel,

Desejo-te,

Desenho no teu corpo de amêndoa,

O beijo,

 

Escrevo nos teus olhos em silêncio

A melancolia do dia,

A esperança da manhã,

Escrevo nos teus olhos de luar

A primeira lágrima da manhã,

 

Escrevo nos teus olhos de mar,

Amo-te,

Escrevo nos teus lábios de mel,

Desejo-te…

Desenho no teu corpo de amêndoa,

A paixão dos pássaros,

 

Enquanto a noite é só minha.

 

 

14/11/2023

Voz

 Noite em mim

Quando o corpo se despede,

Quando o corpo se esconde na insónia de um desejo,

Noite de mim

Quando regressa o cansaço da tua voz

E junto ao mar

Morre a minha mão

E levita sobre o rio o beijo.

 

Noite sem mim

No silêncio de me esconder

Debaixo das nuvens,

Quando a noite percebe

Que do outro lado da rua

Habita um sem-abrigo que me compreende,

Que a minha noite é apenas um pedaço de nada;

Quando a noite é apenas um desejo vil

E só...

E só o aconchego da tua voz me satisfaz.

 

 

14/11/2023


 

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Pôr-do-sol

 Perco-me nos teus olhos de mar

Meu amor

Como se eu fosse uma criança desesperada

Um menino no recreio da escola

Em busca de alegria,

 

Perco-me nos teus lábios de mel

Meu amor

Enquanto desce a noite

E as sombras do silêncio

Também elas se escondem nos teus olhos de mar,

 

Perco-me na tua mão frágil e dócil

Que afaga o meu rosto…

Perco-me meu amor

Nos teus olhos de mar

Com sabor a pôr-do-sol.

 

 

13/11/2023

Pedaços do meu jardim

 Trapos,

É tudo o que transporto em mim,

Pedaços de nada,

Pedaços de cetim.

Trapos com sabor a despedida,

Quando a manhã se ergue,

E a noite inventa o meu sonhar,

 

Trapos de mim,

Trapos,

É tudo o que transporto,

Pedaços,

Amuletos e coisas assim…

 

Trapos,

É tudo o que transporto em mim,

Pedaços de nada,

Pedaços do meu jardim.

 

13/11/2023

domingo, 12 de novembro de 2023

Do mar a morte

 Seria capaz de partir

Seria capa de te abraçar

Silêncio que me faz sorrir

Do medo de te amar

 

Seria capaz de sofrer

Seria capaz de caminhar

Correr

E depois te beijar

 

Seria capaz de te escrever

E no teu corpo desenhar

O poema de morrer

No morrer do mar

 

 

12/11/2023