sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Porquê Pai

O filho não é dele,
Sempre soube que não era o pai do rapaz porque quando o olhava não as mesmas orelhas pontiagudas como eu e como o meu pai, o filho não é dele e o parvalhão nem desconfia E claro que não meu,
- Porque me mataste pai,
Eu sim Seria teu filho igual a ti e igual ao teu pai com orelhas pontiagudas, porque me mataste pai?, e eu não te matei Mas deixaste que me matassem, sempre soube que não era o pai do rapaz porque as acácias deixaram de florir e os plátanos de sorrir,
- O que são acácias Pai?,
E não deixei Simplesmente cruzei os braços e fiquei a olhar o mar Como sempre pai como sempre Cruzas os braços e ficas a olhar o mar, e quando perguntei por ti responderam-me Foi às ortigas E pronto,
- Continuei tal como continuo hoje de braços cruzados a olhar o mar e a esquecer-me que as acácias deixaram de florir e que os plátanos deixaram de sorrir e que a noite é triste e que da noite vem a solidão e se abraça ao meu pescoço e abro a janela e finjo ver o mar debaixo dos plátanos a escrever poemas no areal do Mussulo, e deixei que te matassem e deixei que me roubassem os sonhos, e hoje
E hoje,
E hoje sou o quê?
- E hoje o parvalhão olha-o e chama-lhe filho mas o filho não é dele E hoje E hoje sou o teu pai Que deixaste que me matassem Não deixei,
Cruzei os braços e fiquei a olhar o mar Como sempre pai como sempre Cruzas os braços e ficas a olhar o mar, e quando perguntei por ti responderam-me Foi às ortigas E pronto,
Como sempre filho Como sempre Cruzo os braços e finjo ver o mar debaixo dos plátanos a escrever poemas no areal do Mussulo, E era o que me faltava ter um filho daquele miserável Nem morata,
- E hoje sou o quê?
E hoje sou um menino que cruza os braços e olha o mar e sonha com papagaios de papel e com as mangueiras do quintal de Luanda Porque me mataste pai?,
- E claro que não porque as orelhas não pontiagudas como eu e como o meu pai E não te matei filho Não te matei Simplesmente cruzei os braços e fiquei a olhar o mar,
Como sempre pai como sempre Cruzas os braços e ficas a olhar o mar,
- E quando perguntei por ti responderam-me Foi às ortigas E pronto
O que são acácias Pai?
- Cruzo os braços e fico a olhar o mar
E ponto.

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Solidão


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha