Até que o sono os separe, e que o vento lhes traga as mansardas com vista para o mar, depois veste o seu melhor fato, calça os seus melhores sapatos, e desaparece na sombra que a tarde começou a construir junto ao rio.
Era assim todos os dias.
Logo que acordava, puxava
do seu primeiro cigarro, diga-se que o primeiro cigarro acorda sempre em
pedacinhos de ternura e preguiça, acendia-o utilizando duas pequenas pedras, e
ficava por ali…
A olhar as primeiras
lágrimas da manhã.
Um dia, um dia disseram-lhe
que estava proibido de vestir o seu melhor fato, de calçar os seus melhores
sapatos e ainda muito pior…, estava rigorosamente proibido de desaparecer na
sombra que a tarde construía junto ao rio.
Percebeu que lhe tinham
retirado a liberdade de pensar e de ser.
E entre o ser e o não ser
e o pensar, brinca aquele que nunca o foi, que é o invejoso e que quer ser,
aquilo que o outro já foi.
Abro a janela.
Fecho a janela.
Sento-me sobre a cama.
Levanto-me da cama.
E eu que sou um apaixonado
por pássaros, que amo todos os pássaros, e isto e aquilo…
E estes, sem qualquer
respeito por mim, respeito nenhum, enviam-me um telegrama em forma de merda; o
telegrama mais temível que o ser humano pode receber.
E o sono os separou
enquanto uma abelha construída em fibra de carbono poisou na sua mão de
porcelana, e confesso, de abelhas em carbono nada percebo, apenas que as
mansardas com vista para o mar, para o meu mar, são as colmeias da madrugada,
quando acorda o dia, e sobre as árvores, um triciclo a motor desenha círculos
de insónia com lábios em quadriculado sorriso…
Nasce assim, a minha
primeira abelha em fibra de carbono;
A doce “agora não posso”.
Bragança, 04/05/2023
Francisco Luís Fontinha