Aqui está a folha que escrevo na adocicada noite, a caneta lhe espeto na pedra no peito, uma jaula de luz aprisiona a minha mão, e quero escrever
E escrevo sentido as mandíbulas da sílaba amordaçada, na sílaba
O sexo quase junto à Primavera, quase em combustão
Rua e muro, a sombra de um homem o som de uma gaivota criança em busca do dia,
Aqui, aqui está a folha que escrevo, que rasgo e amachuco, que lanço pela janela, a triste formiga caminhando sobre os carris do próximo amanhecer, sabendo ele
O homem-sombra que junto aos cabelos está o assobio que lhe servirá de um simples aviso
Navegação quase, quase
Quase em delírio.
Barcos afundados no terraço de uma árvore, os lábios
Os lábios tão belos do que a primeira luz da sémen-galáxia, outros habitantes
E tantos outros deuses pendurados no estendal como se fossem rezes à procura do silêncio, e corta-lhes a serra uma cabeça singular, em pijama,
Os lábios tão belos
Voando sobre a planície voando sobre um quintal de fingir, de brincar
Que desce até à Mutamba, do outro lado
O meu rosto que alguém esqueceu sobre a mesa da esplanada, a minha mãe
O cabelo também lhe vou o cabelo também
O meu pai se esqueceu dele (cabelo) sobre o banco do jardim.
E eu
A contar pássaros todas as noites e
E a contar estrelas todos os dias.
Escondo-me de ti, na vergonha alheia
Quando acordo acreditando que já estou morto,
No entanto, dizem
Que respira e dizem que já nasceu quase
Quase tão morto como aqueles que partiram para a eternidade; e que patético um ateu a falar de eternidade.
Aqui ainda está o papel de há pouco, escorrendo tinta de cada entranha, tossindo como um tuberculoso automóvel em contramão descendo subindo caindo quase sempre, e se levantar
E volta a cair sobre o mar e nada pertence a este livro que é apenas esta folha, já assassinada por mim, e a caneta
Também quase com o mesmo destino que a folha que há pouco assassinei…
Concluo que sou um assassino de folhas e de canetas.
Aqui estava a folha que escrevia na adolescência enganando o relógio com bolachas de água-e-sal, metade de uma drageia ao erguer,
E metade ao deitar. Entre refeições
Tês pétalas de rosa e o olhar de um figo. Pois é,
É muito triste o viver de duas pedras,
E é triste a vida de uma drageia.
Aqui está a folha e a caneta e eu. Os três, dois já assassinados por mim, e talvez
Amanhã eu assassinado por uma torre de igreja ciumenta. Lá
Lá lá
Que faço aqui olhando tanta tinta, tinta que cada vez mais é mais e mais tinta,
Nunca percebi onde esconde tanta tinta uma folha de papel…
Quase cinco litros ou mais…
Aqui está a folha que escrevo na adocicada noite, a caneta lhe espeto na pedra no peito, uma jaula de luz aprisiona a minha mão, e quero escrever
E me disseram para nunca mais escrever.
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