terça-feira, 26 de novembro de 2024

Dois olhares se cruzam e se destinam e se amam

Dois olhares se cruzam e se destinam e se amam a inventar o não sono na ausência,

pedindo à insónia a tristeza, supera-se o poeta, e ele e as flores do jardim, coisas agrestes, coisas destintas da noite

na mão de uma prisão. Há uma nuvem

em cada janela da casa, a casa quase sem casa, tal como eu,

destruir tudo; tudo. E no fim, comer todos os pedacinhos da casa como se eles fossem apenas e só qualquer coisa comestível e parecida com chocolate.


Dois olhares num só olhar, dois corpos quase num só corpo que sobre um lençol de espuma se cruzam com a noite, as tuas mãos, as minhas mãos

misturadas com a ténue luz de um desejo, a minha mão pertence ao teu corpo, e a tua mão

e a tua é só minha, parte do meu corpo.


A pele, tua, tão branca como a areia do Mussulo, tão suave em construção, e há sempre uma equação sem solução,

os nossos corpos e os restantes órgãos desta complexa máquina de amar e de desejar procurando a razão quando não existe razão alguma para se amar uma pedra. E pertenço

a estas rodas dentadas, e faço parte de todos estes parafusos, que só à noite

se vestem de palavra.


E dois olhares nunca se extinguem na confusão de um outro olhar, mas eles procuram a sabedoria de um beijo, quando a lua

nem sabe o que é um beijo…

Dois olhares que se cruzam no sexo do existir dentro da profunda terra onde habitam as sombras que durante o dia

pedem esmola a cada livro de poesia que passa.

O poema te olha.

Tu és possuída e abraçada pelo poema, e dois olhares


brincando no baloiço da vida. Somos duas crianças.

Dois olhares que se querem. Dois olhares que se cruzam antes que seja dia, antes que seja amanhã…

Antes que o mar seja gente,

e sendo gente…

Nunca dois olhares se perderão junto ao rio.

Dois olhares o meu e o teu

dois corpos o meu e o teu,

depois,

a chuva miudinha poisando sobre o teu seio esquerdo…

olhando

dois olhares que se cruzam e se amam! 


Sem comentários:

Enviar um comentário