Dois olhares se cruzam e se destinam e se amam a inventar o não sono na ausência,
pedindo à insónia a tristeza, supera-se o poeta, e ele e as flores do jardim, coisas agrestes, coisas destintas da noite
na mão de uma prisão. Há uma nuvem
em cada janela da casa, a casa quase sem casa, tal como eu,
destruir tudo; tudo. E no fim, comer todos os pedacinhos da casa como se eles fossem apenas e só qualquer coisa comestível e parecida com chocolate.
Dois olhares num só olhar, dois corpos quase num só corpo que sobre um lençol de espuma se cruzam com a noite, as tuas mãos, as minhas mãos
misturadas com a ténue luz de um desejo, a minha mão pertence ao teu corpo, e a tua mão
e a tua é só minha, parte do meu corpo.
A pele, tua, tão branca como a areia do Mussulo, tão suave em construção, e há sempre uma equação sem solução,
os nossos corpos e os restantes órgãos desta complexa máquina de amar e de desejar procurando a razão quando não existe razão alguma para se amar uma pedra. E pertenço
a estas rodas dentadas, e faço parte de todos estes parafusos, que só à noite
se vestem de palavra.
E dois olhares nunca se extinguem na confusão de um outro olhar, mas eles procuram a sabedoria de um beijo, quando a lua
nem sabe o que é um beijo…
Dois olhares que se cruzam no sexo do existir dentro da profunda terra onde habitam as sombras que durante o dia
pedem esmola a cada livro de poesia que passa.
O poema te olha.
Tu és possuída e abraçada pelo poema, e dois olhares
brincando no baloiço da vida. Somos duas crianças.
Dois olhares que se querem. Dois olhares que se cruzam antes que seja dia, antes que seja amanhã…
Antes que o mar seja gente,
e sendo gente…
Nunca dois olhares se perderão junto ao rio.
Dois olhares o meu e o teu
dois corpos o meu e o teu,
depois,
a chuva miudinha poisando sobre o teu seio esquerdo…
olhando
dois olhares que se cruzam e se amam!
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