sábado, outubro 19, 2024

O comedor de imagens

 

Havia no teu corpo crisântemos de esperança

como madrugadas incolores suspensas no estendal que esquecemos na varanda

procurávamos nas ruas os candeeiros de chumbo

para fugirmos à fome da cidade

e sabíamos que eles um dia regressavam para ajustarem contas connosco,

 

Depois esquecemo-nos das montanhas de azoto que nos invadiam

como moscas envenenadas ou como cadáveres de gesso

pendurados por um fio finíssimo de sémen na árvore do desespero

conversávamos com Deus e era como se estivéssemos a falar com uma parede de aço

insensível e distante e fria,

 

Chovia-mos das nuvens emagrecidas em cidades de areia

e comíamos as imagens que trouxemos de África

e as pequenas recordações que só aparecem noite dentro

quando lá fora cessam as músicas do desassossego

e cá dentro revoltam-se as lágrimas de tristeza,

 

Um muro covarde arde docemente na lareira da idiotice

como aconteceu com as palavras do livro negro

com dentes de marfim

e cansei-me dos bons costumes

da pontuação e de regras de boa educação,

 

Sou um “filho da puta” mal-educado

que vive num País inventado

não sei se sou humano ou em pedra torneada e ornamentada com flores selvagens

sou um “filho da puta” cansado

de mendigar migalhas e sonhar com viagens...

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