Sentavas-te nas
clarabóias do sorriso insónia madrugada
e eu imaginava-te voando
sobre a cidade
voando desesperadamente
como quem procura árvores baloiçando no vento de ninguém
em braços de aço sem odor
sem fingimento
e, no entanto, tínhamos
dentro de nós pequenas papoilas falsificadas
que um comerciante
estrangeiro tinha estonteantemente inventado durante a noite desgovernada,
Éramos de pano como os
cortinados da tia Adosinda
e vestíamo-nos
enrolando-nos em palavras doentes com cabeças de néons abandonadas
pelos transeuntes
imaginados na loucura das horas da Aspirina após o jantar...
havia uma janela de suor
que escorria do teu corpo insuflável
porque das tuas palavras
cresciam cravos encarnados como clavículas desperdiçadas depois de morto o
esqueleto de água salgada,
Chovia-nos como chovem as
lágrimas dos pilares de betão
quando do silêncio
acordam mangueiras e capim envenenado
tive o mar na minha mão
quando criança
como em nós
choviam barcos com plumas
e rímel nos olhos transatlânticos em sinais de fumo,
Tocávamos cigarros por
cigarros
beijávamo-nos dentro de
um poço de prazer quando a lua escondia os mapas e as bússolas
que nos impediam de
viajar pelas grandes planícies do medo e dos corpos suspensos na morte
chovia-nos como chovem
pequenos adereços em papel e havíamos de encontrar uma porta
em fina cerâmica com
bilhete para a eternidade...
[oiço “Eu Seguro” Samuel
Úria e Márcia]
Encontro-me plenamente
“SEGURO” porque já partiram os paquetes ensonados
e das poucas ruas ainda
acordadas hoje nesta cidade
apenas uma a tua boca de
Inferno
saboreando portas e
janelas que as rochas transportam para a ilha do desejo
sem sabermos porque
choravam os barcos com rímel nos olhos e plumas e cores nas faces rosadas da
íngreme tristeza das asas de cartolina com palavras agastadas...
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