domingo, outubro 06, 2024

As gaivotas embriagadas

 

Esqueço abismos e inglórias

acordo sabendo que deixaste de me esperar no banco granítico

do jardim invisível

o nosso pequeno quarto sobre as rochas viradas a Norte,

 

Esqueço palavras e sonhos

imagens

esqueço os sofrimentos das nocturnas esplanadas que a escuridão engole

e transcreve para o muro em betão que divide os nossos corpos separáveis hoje,

 

Acorrentados ontem

(lembras-te – querida solidão de areia?)

como barcos prisioneiros em pilares de sombra

e esperando que o luar desça as escadas dos cais desassossegados,

 

Esqueço a ti

como as serpentes envenenadas debaixo do divã

esqueço a ti embrulhada no capim húmido dos lençóis da madrugada

e sei que deixaste de me esperar,

 

E nunca mais te vi na janela da manhã

como o fazias ontem

antes de ontem...

quando regressávamos dos corredores de aço com sulcos finos em papel de parede,

 

Rosas em decomposição

corpos de poemas em putrefacção não sabendo eles que deixaste de olhar o sol

e começaste a caminhar mar adentro

como um paquete sem rumo,

 

Descendo calçadas de vidro

versos cansados

palavras e palavras e palavras

para quê?

 

Versos malvados

esqueço abismos e inglórias

acordo sabendo que deixaste de me esperar no banco granítico

do jardim invisível...

 

Tristes

estas noites quando os relógios morrem

e o tempo cessa as suas garras

no pescoço teu onde dormem as gaivotas embriagadas.

Sem comentários:

Enviar um comentário