O destino estava-lhe traçado no dia em que descia a montanha e um pássaro vestido de noite, abraçou-o
E nunca ninguém o tinha
abraçado, tão forte e doce,
Como a noite.
Desconfiou. Temeu o pior.
Dizia-se por aqueles lados,
de quando em quando, que uma vez por ano, a noite, abraçava aquele que em breve
partiria para o reino dos céus. Horácio não queria acreditar no que iria
acontecer
Ao seu filho e único. Como
o poeta.
Que não é. Nunca o foi. Nunca
o será
Poeta. Poeta, não. Meu querido
filho. Pareceis mendigos vestidos de palavras
Poeta não, meu filho.
A carroça dormitava sobre
as lajes da eira. O tio Serafim enganava a tarde com um copo de verde ou
morangueiro e dentro de um pedaço de broa de milho
Queijo de cabra. Adorava.
Dá um pequeno gole de
uísque, poisa a mão sobre a mesa e puxa de um cigarro, pensa e acende-o
enquanto ouve o Oceano Pacifico da RFM. Poeta mais louco, não. Meu filho.
Poeta nunca.
A noite agora, é uma puta
travestida de luzes, enzóis e chapéus-de-chuva.
Tenho medo do frio,
chorava ele. Fernando, o piqueno vai morrer de frio.
Temos de dar um jeito. As
coisas vão melhorar,
Chovia lágrimas dentro de
casa.
E a noite não passa de
uma puta e de uma galdéria de carrossel.
Tínhamos tudo, e hoje
apenas meia dúzia de livros, e quem quer livros,
Horácio
Chorava também. Mas por
outros motivos.
O piqueno crescia, os
sapatos
Às vezes,
Ficavam curtos, mas tudo
bem. Amavam-me.
E hoje sou apenas um
pedaço desta noite, que nunca sei, quando termina, se é que alguma vez deixará
de ser noite,
Em mim.
O rapaz brincava no mar
sito num primeiro andar caquéctico mais parecendo um petroleiro em decomposição
Putrefacto, como o poeta.
E o rapaz, ao longe,
avistava o Mussulo.
A areia branca do Mussulo.
O tio Serafim, ao fim de
dois anos de ausência da aldeia, andando por Lisboa a coçar os tomates,
regressa, de fatinho branco e de palhinhas não mão, sorria
E
Oi?
O homem fez acreditar
meia aldeia que estava a regressar do Rio de Janeiro.
E se isto não for verdade
Eu morra aqui,
Sentado nesta cadeira. Na
cozinha. A saborear o meu uísque.
Às vezes tenho saudades
do meu pai. E hoje ainda mais. Gostava de ter falado com ele sobre drogas e outras
merdas,
mas o meu pai estava
sempre ocupado
A salvar os outros. Não o
condeno. Louvo-o.
O Horácio tremia de frio
silêncio.
A minha mãe aturava as
minhas loucuras e conversávamos sobre drogas e deus. Nunca chegamos a acordo. Quanto
a deus, ela acreditava, eu não acreditava nem acredito.
Quanto às drogas,
Isso faz-te mal, meu
filho.
Deixa isso. Faz isso por
mim.
Ele fez isso por ela.
Mas onde está ela, hoje!
O pobre do silêncio
sempre a pedinchar à solidão
Traços de alumínio,
E alguns caracóis.
Oi? Menina, como você
cresceu…
O tio Serafim cantava bem
o fado, eu, odiava e odeio. Ao cair da noite, junto ao campo de milho,
pedacinhos de sombras dançavam sobre a noite,
E eu,
Tio Serafim, o que é
aquilo?
São as musas dos poetas.
Fiquei a perceber o
mesmo. Subi a rampa e fui dormir. Estava de férias em casa do meu avô Domingos.
O Horácio acreditava que
se conseguisse levar o filho da aldeia antes que regressasse a noite,
Talvez ele não fosse já
este ano para o reino dos céus. Traçou um plano.
Chamou todos os pássaros
e juntos levariam o filho de Horácio para longe da noite.
Puxaram. Puxaram. E era
quase noite, e o filho do Horácio ainda estava junto à praia.
Até que apareceu uma
menina loira, de olhos azuis como o mar…, olhou o filho de Horácio e
Quase que por magia,
Levou o filho de Horácio para
longe da noite.
(não sei se publico este
texto)
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