quarta-feira, 10 de abril de 2024

Já não te conheço

Já não te conheço dentro deste círculo de sono, já não te conheço

na tarde miserável que desce a avenida. Lençóis de prata enrolam-se ao teu pescoço

na tua boca,

uma ausência, uma mentira nos teus lábios.

 

Uma ânsia. Já não

te conheço dentro deste círculo de sono, e são os peixes que a visitam, todas as tardes,

este mergulho nas fragas que só a noite consegue alimentar,

que morra a ciência de calcular o perímetro do círculo, da tua insónia.

 

Se é que existe insónia nos teus lábios, que não acredito que exista, porque apenas os poetas sabem desenhar a insónia na vagina da lua. Toca o sino, talvez alguém tenha decidido partir, ir

até ao sono definitivo da vida.

Não me importava, também, de partir

de ir

Ir. Já não te conheço dentro deste círculo cansado de rodar em torno dos teus seios, até que alguém lhes grites, e lhes diga

Ir.

 

E eles foram.

Já não te conheço dentro deste triste e ausente círculo de sono, viciado em circunferências, e afins

E pequenas drageias que te enganam o sono.

Faço um cigarro, fumo-o, ergo-me e em silenciosos círculos, vou à tua procura. Subo as escadas até à primeira estrela, não estás lá.

Vou à segunda estrela, não estás lá.

Corro mais um pouco, e vou à terceira estrela, fico à porta, e penso

tu só estás quando é noite, e ainda está de dia.

 

Já não te conheço à janela onde poisas as mãos, já não te conheço dentro deste círculo de sono, dentro desta área indefinida, formatada por bites e bites de desejo.

Já não te conheço dentro deste disco rígido, já não te conheço que te conheço,

porque habitas dentro deste portátil; que tão bem conheço.

Já não te conheço,

E tenho medo de que me digam…

Que te conheço.

 

Já não te conheço dentro deste círculo de sono, já não te conheço

na tarde miserável que desce a avenida. Lençóis de prata enrolam-se ao teu pescoço

na tua boca,

uma ausência, uma mentira nos teus lábios,

que eu tão bem conheço.

 

(Francisco – 10/04/2024)

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