domingo, 22 de janeiro de 2012

Versos a um amor impossível

Um dia enquanto urinava num urinol público de Belém, junto à esplanada onde me estacionava nos finais de tarde a olhar o tejo, a comer bolas de Berlim, a beber café e água sem gás, a ler e a escrever versos a um amor impossível (porque nos finais dos anos 80 acreditava existirem amores impossíveis, e com o andamento da roda da vida percebi que a impossibilidade só existe na nossa cabeça), lembro-me como se fosse hoje, na altura andava a ler “Doutor Jivago” de Boris Pasternak, prémio nobel da literatura em 1958 e impossibilitado de o receber por razões políticas, e tal como os amores impossíveis, as coisas mudam, e hoje seria diferente,
E enquanto apreciava o meu rosto impresso nos azulejos da casa de banho pública de Belém percebo pela sombra que alguém ao meu lado direito olhava o meu coiso, e claro que na altura era normal por aqueles lados, mas eu ficava sempre chateado porque a jogar ao montinho na arrecadação do Moreira não tinha a mesma sorte, isto é, de seis montes eu parvalhão escolhia sempre o monte de menor valor, e o Moreira
- Já te fodeste,
E se eu tivesse tanta sorte ao montinho como tinha para ser atraído por panascas, acreditem que hoje tinha, não diria um mercedes, mas que hoje tinha uma lambreta, e não é mentira nenhuma,
E o Moreira sempre com uma sorte do caraças a arrebanhar moedas e a assar chouriços roubados na cozinha, e quando numa noite apagava as labaredas da cama porque o álcool onde púnhamos o chouriço a laminar saltou e ficou-se a dormir como um anjo barrigudo Diz-me
- Sorte ao jogo Azar ao amor,
Diz-me E eu fodido sem moedas e eu fodido com um gajo de meia-idade a olha para o meu coiso que de tanto envergonhado começou a diminuir até desaparecer no tejo,
E eu na altura confesso Nem sorte ao jogo Nem sorte com amores impossíveis Mas tinha uma pontaria para ser assediado por panascas, e procurei e procurei e procurei…
- Coiso nenhum E só mais tarde percebi que já andava em banhos no tejo, e quando olho o senhor de meia-idade, feio e sem dentes, com óculos de fundo de garrafa e ainda por cima com bigode de piaçaba de desagarrar merda das sanitas Confesso que me assustei e não condeno o meu coiso por ter dado de frosques e ir a banhos para o tejo,
E hoje podia ter no mínimo uma lambreta
- Já te fodeste,
No mínimo uma lambreta, mas quis o destino que não, e hoje desse tempo tenho meia dúzia de fotografias e três caixas de cartão com versos a um amor impossível, escritos numa esplanada de Belém junto a uma casa de banho pública onde numa tarde de agosto um senhor de meia-idade engraçou com o meu coiso,
- Sorte ao jogo Azar ao amor,
E os chouriços até que se comiam embrulhados em cerveja.

(texto de ficção, inspirado na minha passagem por Belém – Maio de 87 / Agosto de 88)

Sem comentários:

Enviar um comentário