quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O buraquinho da agulha

O problema não é a solidão nem a queda da folha nem a chuva nem o vento, o problema é que estamos velhos Queixam-se os plátanos do jardim quando por lá ando durante a noite a matar o tempo e a esconder-me das estrelas,
- Deseja fatura? Não Não desejo e nunca vou pedir e se quiserem multem-me Para que raio precisa de fatura um desempregado? Só se for para enfiar…
Para enfiar a linha nu cu da agulha a minha avó silvina quase com noventa anos não precisava de óculos Esticava o bracinho esquerdo onde religiosamente segurava na agulha e com o braço direito zás e nunca falhava e eu saboreava aquele momento de excitação em que um pedacinho de linha entrava sem qualquer sacrifício no buraquinho da agulha,
- A fatura se faz favor E eu não tenho e eu não pedi Porquê? Vou ter que o multar e Multe e faça o que quiser vá para o raio que o parta,
E eu pergunto-me se hoje a avó silvina fosse viva Estás tão magro meu filho Ando a fazer dieta E eu pergunto-me onde está a fatura dos cigarros que tiro nas máquinas estacionadas nos cafés,
- Enfio as moedinhas carrego no botão e cigarros para um lado e fatura para enfiar…, Nada, E eu pergunto-me se também vão multar a máquina dos cigarros por não dar fatura,
E eu pergunto-me se hoje a avó silvina fosse viva E respondo-lhe que ando em dieta Ando em dieta Avó sabe como é nos tempos que correm não se pode comer muito e evita-se a diabetes e a obesidade e
- O cardápio se faz favor Cardápio segreda-me a enfermeira Sim Cardápio Não sabe o que é? Quando se entra numa urgência é preciso primeiro saber muito bem os preços das coisas,
E se fosse hoje possivelmente o teu avô não diabetes Não vá o diabo tesselas e sair daqui sem calças e sem rabo e a avó silvina quase com noventa anos não precisava de óculos Esticava o bracinho esquerdo onde religiosamente segurava na agulha e com o braço direito zás,
- Enfie a fatura no
Zás e a linha transformava-se nas ondas do mar do Mussulo sobre a areia limpa da manhã quando me pegava na mão e me obrigava a ir à missa e eu furioso a olhar para o teto da capela do Bairro Madame Berman,
- O problema não é a solidão nem a queda da folha nem a chuva nem o vento, o problema é que estamos velhos Queixam-se os plátanos do jardim quando por lá ando durante a noite a matar o tempo e a esconder-me das estrelas E vejo a avó silvina quase com noventa anos a enfiar a fatura no cu da agulha Fatura qual Fatura Não pedi fatura,
E vejo a avó silvina quase com noventa anos a enfiar a linha no cu da agulha e sem óculos,
O cardápio se faz favor Cardápio segreda-me a enfermeira Sim Cardápio Não sabe o que é?

(texto de ficção)

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