sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Porque me olham as mimosas

Flutua nas minhas veias o desejo de partir, e enquanto fabrico cálculos complexos no meu cérebro as gaivotas correm para o mar, os pequeníssimos moluscos que se agarram às rochas, aos poucos, desistem e deixam-se levar pela gravidade da tempestade, caiem no mar e enterram-se na água como corpos voando sobre as nuvens, mergulham e fundem-se na areia finíssima do pavimento térreo do oceano, as ondas em crista sobrepõem-se aos silêncios da noite, e um veleiro é empurrado por uma mãozinha de vento rumo à ilha que na garganta da manhã cospe pedacinhos de fogo, dos pulmões afagados pelo nevoeiro emerge a sombra da maré, e eu em passos adormecidos encosto-me ao candeeiro que treme no olhar do jardim, do outro lado da rua, do outro lado da rua a relva de algodão doce, as rosas em beijos desgovernados, as formigas carregando pesadíssimas migalhas de pão, ela dorme e eu olho-a coberta por lençóis de seda e com desenhos abstractos, respira e sonha, e do espelho do quarto o meu esqueleto desengonçado preso com finíssimos arames, o crucifixo na parede ajuda-me, deita-me a mão e alguns dos meus ossos voltam às cartilagens originais, não tenho dores, apenas sono e vontade de me deitar junto a ela, enrolar-me no nos seus lábios e olhar a janela pendurada no quarto andar,
- Porque me olham as mimosas,
E se eu abrir a janela e lançar-me em queda livre, será que o vento me leva para o mar, e as mimosas, porque me olham?
Por entre as pedras o silvado vergado pelo peso das amoras bravias, um lagarto junto à parede refresca-se no sol escaldante da tarde, na vinha um coelho que brinca com frestas de xisto e corre para a ribeira, e eu penso, aqui éramos felizes,
- O cheiro das mimosas entranha-se na minha pele macia,
E eu indeciso, acordo-a, deixo-a dormir, dou-lhe um beijo ou, ou simplesmente espero que os ponteiros do relógio se apaguem quando o sol adormecer, cruzo os braços, e recordo as tardes quando brincava na eira em Carvalhais, deitava-me no chão e olhava o milho pregado às sombras do canastro. E sonhava que um dia caminharia sobre o mar e que um dia regressaria a Luanda…
Ela acorda, encosta a língua no lábio superior, sorri, e num suspiro incandescente diz-me,
- Amor, que estranho…, sonhar com mimosas penduradas na janela.

(texto de ficção)

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