terça-feira, 22 de novembro de 2011

A fábrica dos desejos

A fábrica dos desejos dentro do peito que liberta pela boca os sonhos da noite, os cortinados dos olhos que se prendem ao sentido proibido da rua, as sandálias de cabedal e os calções que fogem dos mabecos, e as árvores que abraçam o esqueleto em equilíbrio estático na varanda das nuvens,
- Despeço-me da vida com a vida sem vida, alimentava-se a candeia de azeite na surdez da cozinha,
Os móveis na garganta do caruncho que sorriam através das fendas milimétricas da tarde, o calendário na parede em apalpões a uma mulher nua, máquinas agrícolas e industriais limitada, e hoje é dia, ele à procura do número de telefone do anunciante, a mulher questionava-o para que ele queria o número e em sorrisos respondia Para nada!, e continuava Apetece-me conversar com alguém!, a mulher fincava o dentes e com focinho de penico gritava-lhe E eu, não sirvo para conversar?, e ele ignorava-a nos azulejos da cozinha,
- E o que é a vida?, perguntava-se a candeia virada para o calendário, para mim apenas sucessivos números em viagem para o futuro, a voz do calendário na saliva dos minutos,
Está a ouvir-me?, continuava a mulher em gritos, Fala mais baixinho que não sou surdo, ria-se o palerma paralisado na gaja nua do calendário, deixa-me em paz responde-lhe ele, E se te fosses foder?, E fodido já eu estou Natália!, És mesmo um parvalhão…, olha, Vou sair!, A esta hora?, Venho já, vou comprar cigarros!,
- E nunca mais voltou?, e o Carlos explica à namorada que desde aquela noite nunca mias voltou a ver o pai, não sei se está vivo, não sei se morreu, E a tua mãe?, a minha mãe morreu uns anos depois,
A fábrica dos desejos dentro do peito que liberta pela boca os sonhos da noite, os cortinados dos olhos que se prendem ao sentido proibido da rua, e na cozinha a candeia que espera o regresso da sombra dos cigarros, o azeite consumido pelo desejo de uma criança e a gaja nua do calendário envelhecida, o corpo parece um amontoado de silêncios, a pele coberta de espinhos, o sorriso agreste entupido na prótese dentária, e dos seios nasceram-lhe seixos que olham o mar e quando passam os barcos lhe tocam e uma luz se acende nos olhos dela…

(texto de ficção)

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