segunda-feira, 30 de setembro de 2024

A deleitada manhã ensanguentada pelos carris de uma paixão invisível

 

Subo até desistir de caminhar sobre cobertores

e finos espelhos de aço

subo teu corpo meu poiso ancorado

sabendo que em cima da cúpula cúbica uma raiz quadrada morre e cai...

e subo e desço e sento-me sobre as linhas rectas do desejo,

 

Procuro e busco beijos tridimensionais

beijos em lábios triangulares

como um sótão solitário debaixo do céu

um bocadinho acima da saudade cidade

entre esparsas lágrimas e panos margaridas,

 

Subo

e desces por mim até chegares ao terminal número cinco

faixa três primeiro andar esquerdo na rua dos pilares de areia...

e desço sobre ti

como descem as madrugadas nas pálpebras cinzentas das tuas mãos,

 

Sou um imbecil programado

iletrado e desalinhado como os parafusos das dobradiças do teu púbis montanha de peixe

e conversávamos sobre poemas de leite

e conversávamos...

as minguas cavidades sombrias das frestas do delírio que a noite desenhava em nossos corpos de maré revoltada,

 

E línguas de xisto derramavam sobre os teus seios em socalco

subtis palavras em pedaços de terra adormecida na esplanada do abraço

e a deleitada manhã ensanguentada pelos carris de uma paixão invisível

e talvez impossível de desenhar

evapora-se dentro da tua doce boca com sabor a naftalina...

domingo, 29 de setembro de 2024

A pauta

 

Entre nua e as Quatro Estações de Vivaldi
O corpo balança no Dó Ré Mi
Algo de estranho de passa no Fá
Desisto quanto oiço o Sol
E ela nua
À espera do Lá…
Abre-se a janela em Si
E o corpo
Balança o corpo como um piano suspenso no tecto da alvorada
Desce sobre ela o amanhecer
Nua
Nua sem o saber…

Não percebo nada de música
Melodias
Poesia ou
Ficção vagabunda…
Mas tu nua
Não
Não enquanto brotam os sons de Vivaldi
Na tua mão
Dos teus seios
Toda nua
Tu
Uma pauta com sabor a limão.

a navalha do sofrimento

 

colocas-me a navalha do sofrimento

sobre os meus lábios ensonados

sinto-te fria e distante

sinto-te além

ausente

e aqui ao lado

lá fora perto de uma árvore que acaba de tombar

um pequeno sorriso ergue-se no meu jardim

e de um simples olhar

os teus olhos entram juntamente com a maré

em mim

e o meu corpo pertence-vos...

A montanha da paixão

 

 

Todas as palavras que escrevo

são túneis de vento

correndo sobre o mar

e de Setembro

até Novembro

imagino-as caminhando sobre o salgado amar,

 

Todas as estrelas palavras que o céu absorve

comem-se-lhes sílabas e tristes vogais

sonhos

loiça estampada com os teus lábios

e línguas matinais escondidas nos umbrais

portas de entrada... ou apenas... nada,

 

Todas... escrevo

sobre o teu peito camuflado nos carris da tempestade

a saudade

das coisas que transformam em corpos de olhar

olhar amar e.. escrever

são túneis de vento... descendo a montanha da paixão.

a luminosidade eira dos sonhos

 

uníamos-mos como silêncios rochedos que o mar absorvia

e de uma pequena palavra escrita tua mão docemente desabitada

tínhamos uma janela quando a abríamo-la e poisávamo-nos como ramos de oliveira

numa orgia manhã magoada no fundo de um poço

um efémero buraco com triângulos lábios

e de uma pequena... conversa de criança

a palavra descrita quando o corpo se evapora e acompanha a manhã

hoje é segunda-feira e tudo desaparece conforme a luminosidade eira dos sonhos...

 

uníamo-nos como silêncios,

 

em prata folhas alimentadas por sombras de alecrim

abríamo-la com os pequenos sorrisos dos aleijados desenhos

que eu sem jeito nem perfeito

deixei cair nas escadas do ausentado mestre da solidão canina

parecíamos uns velhos alicates enferrujados

esquecidos à porta de uma velha tasca

na cidade grande com ruas estreitas e muitas janelas de tecido...

e sabíamos que era noite pelos uivos apitos dos marinheiros de palha.

A lareira da poesia

 

Um corpo arde da penumbra noite de literatura

e da lareira dos livros vêm as marés com espuma de sémen

que as nuvens de amianto transportam sobre os cofres nocturnos da insónia

há intensas fogueiras de incenso sobre o teu ventre adormecido

pelo cansaço vómito do prazer,

 

Acordas-te puxando as encostas montanhas de rochas em intranquilos momentos

e poeirentas mangueiras de planícies pintadas de amarelo com bolinhas azuis

pensavam que eram o céu

e apenas as vírgulas no final de um texto escrito por ti

quando ainda conseguias alimentar as labaredas do amor,

 

Ardias por dentro

e fingias habitar como cubos de gelo

num copo de uísque sobre uma mesa-redonda com pernas de aço

e dizias-te filha eterna do sono

e ardias nos meus braços de mogno importado do além...

 

Um corpo o teu corpo em mim semeado

ardemos os dois corpos dentro de um amontoado chiqueiro de cobras com lâmpadas de iodo...

havíamos de descobrir o medo

havíamos de descobrir o amor proibido e peneirento

do peneireiro de asas abertas com destinos infantis e sons de orangotango em cio,

 

O rio e a cidade dos corpos que ardem

em ti

de mim sabendo que amanhã deixarei de ter palavras para escrever

e muitos deles

felizes por saberem que amanhã... eu e tu... somos cinzas esquecidas na lareira da poesia...

a jangada com olhos castanhos

 

trazias nas mãos uma jangada com olhos castanhos

cansavas-te com o olhar das crianças

e dos pequenos botões de rosa

 

trazias dentro de ti um cubo de faces rosadas

dos pobres lábios ensanguentados pelo bâton uma lâmina de tristeza

absorvia a tua boca enlatada

como uma conserva

esquecida numa qualquer prateleira da despensa

 

sentia-te vociferar debaixo do sombreado fantasma

agarrado a uma pétala fotográfica

e a preto-e-branco

o fotografo vestido com sais de prata

alicerçava os pobres desejos da madrugada

 

(trazias nas mãos uma jangada com olhos castanhos

cansavas-te com o olhar das crianças

e dos pequenos botões de rosa)

 

e sabia-te enlouquecida quando te embrulhavas nas marés de areia

e corrias

e brincavas num corredor longo e estreito e alto

choravas parecendo a chuva desencadeada pelos sorrisos adormecidos

dos tristes minguados sonhos que a infância assassinou

 

trazias nas mãos a jangada da paixão

escrevias nos absolutos números complexos as amêndoas com chocolate

que o vento imaginava

e não sabendo que o cacimbo lhe pertencia...

ela adoptou como filha a doce menina equação diferencial

 

ela é a integral tripla dos seios loucos com voz de rascunho

sente no corpo o aparo da caneta de tinta permanente

acaricia-lhe as coxas como quando se folheia um livro de poesia...

e as palavras saltitam como gotinhas de suor na face alegre da Lua

ela é a integral que transporta na mão a jangada com olhos castanhos