domingo, 22 de setembro de 2024

casa imaginária

 

encerraram-se as torneiras da saudade

como se evaporaram os cortinados do desejo

num ápice

entre nuvens e corações de pétalas encarnadas

fiquei sem o jardim da felicidade

e apenas um banco onde me sento

e observo a triste paisagem

nua

escura

sombria

como um calendário esquecido no tabique adormecido

da casa imaginária onde apareceste pela primeira vez

Lágrimas

 

Desenho o teu doce olhar

Quando acorda a primeira lágrima da manhã,

E depois da noite se deitar,

Ensonada,

Vêm a mim as palavras de escrever,

E as estrelas de desejar,

 

Transportas nesse doce olhar,

Lágrimas,

Às vezes,

Tristeza,

 

Desenho o teu doce olhar

Nas lágrimas que escondo na insónia,

Sento-me, às vezes, numa pedra cinzenta,

Triste,

Que lamenta…

As lágrimas do teu doce olhar.

cansaços de amêndoa

 

(detesto rosas

porque picam

porque podem ser em papel

e ardem)

 

detesto as madrugadas envenenadas pelos teus beijos vestidos de mendigo

quando poisam sobre o tabuleiro do pequeno-almoço

e na mesa-de-cabeceira espera por ti uma fina e tímida folha

com a débil despedida

abro a janela e começo a voar em direcção ao vazio

percebendo que em ti

e de ti

as palavras são como pedaços de cigarro semeados no cemitério do medo

e há paixão no teu corpo

uma lareira de desejo percorrendo as minhas mãos de areia húmida

como dizem que às gaivotas aparecem durante a noite vómitos de sobejadas paixões

em cansaços de amêndoa

 

(detesto rosas

porque picam

porque podem ser em papel

e ardem)

 

ardem as rosas

e o corpo das rosas

ardem os filhos das rosas

e os filhos do corpo das rosas

ardem os poemas

e as canetas de tinta permanente...

ardem...

como limalha de aço suspensa nos teus lábios

beijar-te sabendo que és um corpo vulnerável

incendiável

um corpo... volátil como a minha voz quando sinto a tua presença

… assim.. como o teu... como as sílabas decalcadas nos seios do amanhecer...

sábado, 21 de setembro de 2024

O vulcão dentro da inocência do vento

 

As estórias

das fantasias noites de desamor

as estórias

sem memórias

da boca do inferno

o vulcão dentro da inocência do vento

abre-se a porta do infinito

 

as estórias

 

das fantasias noites de desamor

há paixão e caracóis e cerveja e pingos de solidão

as estórias de desamar

no caixão da glória

 

há circo com gajas

e gajas em circo nas fantásticas noites de desamor

há um caixão de glória

sem porta nem janela

 

há uma corda

e uma árvore cansada de viver

as estórias amarguradas

nas estórias de sofrer...

O finíssimo fio de madeira

 

Que faço a este coração de chapa

pregado a

à procura do vento

que faço

a este coração sem dono

sem nome

sem palavras

à procura do vento

e das nuvens de brincar

no céu com estrelas de papel

e noites de desencantar

que faço

 

a este cata-vento

alicerçado ao chão sem alimento

este meu pobre coração

de chapa

com medo do mar...

 

(Que faço a este coração de chapa

pregado a um finíssimo fio de madeira

à procura do vento

que faço)

 

que faço aqui sentado

na pedra invisível do destino

à espera de um rio sem nome

sem coração

sem dono

a minha vida pregada a um fio finíssimo fio de madeira

antes que o pôr-do-sol coma o vento

 

e o meu coração

 

e o meu coração de chapa

comece a amar

e o meu coração de chapa

comece a sonhar...

A cidade dos rios

 

Não encontro esses olhos mergulhados em pedacinhos

de som da cidade dos rios

não encontro os cabelos do vento suspenso num livro de poemas

entre mãos e tristezas tardes onde ancora o silêncio provocado

pelos teus beijos de cianeto,

 

Não encontro transeuntes na tua cidade

com mãos para me acenarem

com pernas

se possível

para me pontapearem quando me transformo em canino rafeiro...

 

Não encontro as charruas que escrevem nos montes bravios

sílabas vestidas com água fresca

e enxadas que provocam na solidão

feridas e dor e sonhos em frente às montras de uma livraria

sem saberes que te sentas nas planícies dos cisnes,

 

Não encontro a fogueira dos teus lábios

sobre a lareira da tua boca

fechada

ausentada de mim

como as horas de Sábado depois de partir a noite,

 

Depois

depois de ficares aprisionada a um banco com ripas de madeira

a inventares nos calendários das cidades

nomes de ruas e ruas com edifícios que têm nas pálpebras pequenas migalhas de cimento

como o cianeto dos teus beijos antes de me abraçares...

Existes não existes e insistes

 

Existes

porque eu desejo que existas

em mim

dentro do meu peito

 

Existes

até me apetecer que existas

como as árvores do quintal de Luanda

existirão elas ainda?

existes eu sei que existes

até eu o desejar

que existas

inventando-te para me abraçar

quando a manhã se transforma em silêncio...

existes

mas... e existirás até eu me cansar que existas...?

 

Existes e insistes existir

e oiço o longínquo emagrecer das pontes de aço

existirás amanhã e depois de amanhã?

não o sei..., mas existes

porque o desejo que existas

assim.… fictícia e invisível como as nuvens nocturnas

que poisam nos teus cabelos domesticados pelas pombas do rio apaixonado

existes não existes porque então insistes existir dentro de mim...