Abraço-te enquanto o pôr-do-sol
rouba o mar
E fico lá
Abraçado ao pôr-do-sol
Abraçado E fico lá.
E fico lá
Sentado
Abraçado a ti
Desenhando a fimbria
alegria do mar
No teu sorriso
Quando se ergue a manhã
por entre os arbustos
Nus
Inocentemente
Nus.
E fico lá Quando o
silêncio se entranha no teu ventre
Quando depois
O teu ventre
É um poço de silêncio.
Abraço-te enquanto o
pôr-do-sol ainda é uma criança
Ainda brinca
Como nós
Como nós brincamos junto Ao
Douro.
Abraço-te enquanto me
perco
No pôr-do-sol
Ergo-me e voo para ti
Numa mão
Levo a tua mão
Na outra mão
Transporto e escondo o
pôr-do-sol
E nunca deixo de te
abraçar.
Quero escrever-te
Não tenho palavras
Quero desenhar-te
Não tenho
Frio
Tenho frio para te
desenhar
E também não tenho tido
muita inspiração,
Já nem consigo escrever
Já nem consigo desenhar.
A noite
É nossa Passa a ser o
nosso esconderijo
O nosso pequeno triângulo
de sono
Que desce pela parede da
sala
Desce
E quando toca no
pavimento
Fica lá
Como nós
Estamos cá
E fica lá
Lá…
Abraço-te enquanto o
pôr-do-sol rouba o mar
E faço um cigarro
Meto coisas de um lado
E sai apenas uma coisa do
outro
As máquinas são fantásticas
As máquinas
Parafusos de pressão
O buril
Senil
Doente
Abraço-te
Enquanto o pôr-do-sol rouba
o mar,
Rodas dentadas
A girar.
Enquanto o meu corpo é
visitado pelo berbequim Pelo esmeril
Sempre esmerado
De barbinha desfeita
E fico lá
À espera que se apresente
o Comandante
Do abraço
Enquanto o pôr-do-sol
rouba o mar,
Enquanto este Navio
flutua nesta mansarda
Vou fazendo sinais de
fumo
Vou trazendo o vento
Enquanto te abraço
Enquanto a lua está nos
teus lábios
Enquanto isso
Eu prefiro não estar
E fico lá
Tão lá como cá…
A conversar com as borboletas.
Abraço-te enquanto o
pôr-do-sol rouba o mar
Enquanto o sono é insónia
Enquanto a calçada
estiver intransitável
Devido às chuvas,
Abraço-te enquanto há pôr-do-sol
Enquanto há mar
Abraço-te enquanto o
pôr-do-sol rouba o mar
E percebo que o teu
abraço tem ramos de amendoeira em flor
E percebo que o teu olhar
tem o teu abraço
Que por sua vez
No centro do meu abraço
Está e habita
O teu abraço,
Percebo
Percebo tanta coisa…
Que de quase nada
percebo.
Ergo-me.
Volto a recusar-me
Sento-me
E deito-me
Às vezes
Muitas poucas vezes
E fico lá
E fico cá
E fico,
E fico a contar quantos
barcos passam à minha porta
São muitos
São lindos
São em gigantescas chapas
de aço
Têm coração
E amam
Como Deus nos ama,
Às vezes Sinto a carcaça
do sono sobre mim
Tenho medo de que te
roubem
De mim
E fico cá
Fico
A olhar o mar
Às vezes
Fico
Enquanto te abraço e
enquanto o pôr-do-sol rouba o mar
Ligeiramente suave
Aos poucos
Cai sobre a espuma do teu
cabelo.
Adeus
Pôr-do-sol.
Adeus mar
Adeus fogo cantado por um
louco em chamas…
Eu te abraço
Enquanto o pôr-do-sol
rouba o mar.
Enquanto o dia é noite
Enquanto a noite nem é o
dia
E nunca será a noite,
O sono vem
O sono traz,
Como vem não sei
E o que traz
Provavelmente
Nada vai trazer,
Mesmo assim
Abraço-te enquanto o
pôr-do-sol rouba o mar
Enquanto a chuva cai nos
teus olhos
E um jardim de silêncio
se ergue em direcção À lua
Abraço-te enquanto tenho
forças para o fazer
Enquanto vou escrevendo
Por aqui
Coisas sem nexo
Que ninguém lê
Nem interessa ler,
Abraço-te enquanto o pôr-do-sol
rouba o mar
Enquanto eu fico lá
Abraçado ao mar.
04/01/2024