quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Pôr-do-sol

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

E fico lá

Abraçado ao pôr-do-sol

Abraçado E fico lá.

 

E fico lá

Sentado

Abraçado a ti

Desenhando a fimbria alegria do mar

No teu sorriso

Quando se ergue a manhã por entre os arbustos

Nus

Inocentemente

Nus.

 

E fico lá Quando o silêncio se entranha no teu ventre

Quando depois

O teu ventre

É um poço de silêncio.

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol ainda é uma criança

Ainda brinca

Como nós

Como nós brincamos junto Ao Douro.

 

Abraço-te enquanto me perco

No pôr-do-sol

Ergo-me e voo para ti

Numa mão

Levo a tua mão

Na outra mão

Transporto e escondo o pôr-do-sol

E nunca deixo de te abraçar.

 

Quero escrever-te

Não tenho palavras

Quero desenhar-te

Não tenho

Frio

Tenho frio para te desenhar

E também não tenho tido muita inspiração,

 

Já nem consigo escrever

Já nem consigo desenhar.

 

A noite

É nossa Passa a ser o nosso esconderijo

O nosso pequeno triângulo de sono

Que desce pela parede da sala

Desce

E quando toca no pavimento

Fica lá

Como nós

Estamos cá

E fica lá

Lá…

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

 

E faço um cigarro

Meto coisas de um lado

E sai apenas uma coisa do outro

As máquinas são fantásticas

As máquinas

Parafusos de pressão

O buril

Senil

Doente

Abraço-te

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar,

 

Rodas dentadas

A girar.

 

Enquanto o meu corpo é visitado pelo berbequim Pelo esmeril

Sempre esmerado

De barbinha desfeita

E fico lá

À espera que se apresente o Comandante

Do abraço

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar,

 

Enquanto este Navio flutua nesta mansarda

Vou fazendo sinais de fumo

Vou trazendo o vento

Enquanto te abraço

Enquanto a lua está nos teus lábios

Enquanto isso

Eu prefiro não estar

E fico lá

Tão lá como cá…

A conversar com as borboletas.

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto o sono é insónia

Enquanto a calçada estiver intransitável

Devido às chuvas,

 

Abraço-te enquanto há pôr-do-sol

Enquanto há mar

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

E percebo que o teu abraço tem ramos de amendoeira em flor

E percebo que o teu olhar tem o teu abraço

Que por sua vez

No centro do meu abraço

Está e habita

O teu abraço,

 

Percebo

Percebo tanta coisa…

Que de quase nada percebo.

 

Ergo-me.

Volto a recusar-me

Sento-me

E deito-me

Às vezes

Muitas poucas vezes

E fico lá

E fico cá

E fico,

 

E fico a contar quantos barcos passam à minha porta

São muitos

São lindos

São em gigantescas chapas de aço

Têm coração

E amam

Como Deus nos ama,

 

Às vezes Sinto a carcaça do sono sobre mim

Tenho medo de que te roubem

De mim

E fico cá

Fico

A olhar o mar

Às vezes

Fico

Enquanto te abraço e enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Ligeiramente suave

Aos poucos

Cai sobre a espuma do teu cabelo.

 

Adeus

Pôr-do-sol.

 

Adeus mar

Adeus fogo cantado por um louco em chamas…

 

Eu te abraço

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar.

 

Enquanto o dia é noite

Enquanto a noite nem é o dia

E nunca será a noite,

 

O sono vem

O sono traz,

 

Como vem não sei

E o que traz

Provavelmente

Nada vai trazer,

 

Mesmo assim

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto a chuva cai nos teus olhos

E um jardim de silêncio se ergue em direcção À lua

Abraço-te enquanto tenho forças para o fazer

Enquanto vou escrevendo

Por aqui

Coisas sem nexo

Que ninguém lê

Nem interessa ler,

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto eu fico lá

Abraçado ao mar.

 

 

04/01/2024

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