sábado, 6 de janeiro de 2024

Tua insónia

 

Sei que a insónia do teu sorrir

É um pedacinho de tecido

É vontade de chegar a ti e partir…

É um desejo perdido.

 

Sei que nas tuas mãos de fadar

Há uma janela envidraçada

Há uma fotografia para o mar

E para a madrugada.

 

Sei que a tua insónia é o medo de me perder

Quando a noite se ergue para a lua

É a razão de eu escrever

 

É o silêncio da manhã ardente

É a noite nua

Na noite de muita gente.

 

 

06/01/2024

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Lentidão

 

Avião cai

Avião levanta

A asa geme

Lamenta

Desce

Desce

O avão cai

O avião emagrece

O avão não quer comer

Agradece

Avião cai

Avião levanta

 

Avião fica parado

 

Avião levanta

Cai

Avião sai

Cai

Levanta

Ementa

Peixe e carne

Vegetariana

Levanta

Cai

Sobre a mesa

 

Avião cai

Cai o avião que levanta

Cai

Cai

O avião cai

Desce

Desce

Desaparece

Nos teus bolsos

 

Avião cai

Cai

Cai

E levanta

Lenta

Lenta

Lentidão

A valsa do adeus

Os amores risíveis

A insustentável leveza do ser

O riso e o esquecimento

Um momento

Cai

Cai

O avião

Cai.

 

 

 

05/01/2024

Erecção

 

Razão

Intuição

Balão

Coração

Não há razão

Intuição

Não há intuição

Razão,

 

Trilião

Poço de emergência em acção

Foguetão

Planeta anão,

 

Canção

Litão

Comichão

Quinhão,

 

Mão

Abração

Pelotão

Aldrabão

Maganão,

 

Bilião

Milhão

São

Não

Então?

Erecção.

 

 

05/01/2024

Os teus lábios

 

Não posso esperar que a noite traga nos lábios, os teus lábios.

Não posso ter nos meus braços,

Os teus braços,

Não posso ter a tua mão,

Na minha mão.

 

Não posso ter os teus beijos,

Nos meus beijos,

Tão pouco saborear a luz dos teus olhos,

 

Não posso inventar o sono,

Quando o sono apenas a ti pertence,

Não posso dizer-te baixinho… Amo-te,

Enquanto a noite não me trouxer os teus lábios,

 

Enquanto a noite,

Apenas a ti pertencer.

 

Não posso gritar,

Escrever nos muros da minha aldeia o quanto te desejo…

Não posso plantar esta árvore no teu jardim,

Porque o teu jardim não me conhece,

 

Porque o teu jardim é feito de pequeninos medos,

De sombras invisíveis.

Não posso ser mais poeta,

Porque já não tenho palavras,

Paciência para ter palavras.

 

Não posso ser mais eu,

Quando o outro eu,

Deixou de ter sono,

 

E espera que a noite traga nos lábios, os teus lábios…

 

 

05/01/2024

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Pôr-do-sol

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

E fico lá

Abraçado ao pôr-do-sol

Abraçado E fico lá.

 

E fico lá

Sentado

Abraçado a ti

Desenhando a fimbria alegria do mar

No teu sorriso

Quando se ergue a manhã por entre os arbustos

Nus

Inocentemente

Nus.

 

E fico lá Quando o silêncio se entranha no teu ventre

Quando depois

O teu ventre

É um poço de silêncio.

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol ainda é uma criança

Ainda brinca

Como nós

Como nós brincamos junto Ao Douro.

 

Abraço-te enquanto me perco

No pôr-do-sol

Ergo-me e voo para ti

Numa mão

Levo a tua mão

Na outra mão

Transporto e escondo o pôr-do-sol

E nunca deixo de te abraçar.

 

Quero escrever-te

Não tenho palavras

Quero desenhar-te

Não tenho

Frio

Tenho frio para te desenhar

E também não tenho tido muita inspiração,

 

Já nem consigo escrever

Já nem consigo desenhar.

 

A noite

É nossa Passa a ser o nosso esconderijo

O nosso pequeno triângulo de sono

Que desce pela parede da sala

Desce

E quando toca no pavimento

Fica lá

Como nós

Estamos cá

E fica lá

Lá…

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

 

E faço um cigarro

Meto coisas de um lado

E sai apenas uma coisa do outro

As máquinas são fantásticas

As máquinas

Parafusos de pressão

O buril

Senil

Doente

Abraço-te

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar,

 

Rodas dentadas

A girar.

 

Enquanto o meu corpo é visitado pelo berbequim Pelo esmeril

Sempre esmerado

De barbinha desfeita

E fico lá

À espera que se apresente o Comandante

Do abraço

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar,

 

Enquanto este Navio flutua nesta mansarda

Vou fazendo sinais de fumo

Vou trazendo o vento

Enquanto te abraço

Enquanto a lua está nos teus lábios

Enquanto isso

Eu prefiro não estar

E fico lá

Tão lá como cá…

A conversar com as borboletas.

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto o sono é insónia

Enquanto a calçada estiver intransitável

Devido às chuvas,

 

Abraço-te enquanto há pôr-do-sol

Enquanto há mar

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

E percebo que o teu abraço tem ramos de amendoeira em flor

E percebo que o teu olhar tem o teu abraço

Que por sua vez

No centro do meu abraço

Está e habita

O teu abraço,

 

Percebo

Percebo tanta coisa…

Que de quase nada percebo.

 

Ergo-me.

Volto a recusar-me

Sento-me

E deito-me

Às vezes

Muitas poucas vezes

E fico lá

E fico cá

E fico,

 

E fico a contar quantos barcos passam à minha porta

São muitos

São lindos

São em gigantescas chapas de aço

Têm coração

E amam

Como Deus nos ama,

 

Às vezes Sinto a carcaça do sono sobre mim

Tenho medo de que te roubem

De mim

E fico cá

Fico

A olhar o mar

Às vezes

Fico

Enquanto te abraço e enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Ligeiramente suave

Aos poucos

Cai sobre a espuma do teu cabelo.

 

Adeus

Pôr-do-sol.

 

Adeus mar

Adeus fogo cantado por um louco em chamas…

 

Eu te abraço

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar.

 

Enquanto o dia é noite

Enquanto a noite nem é o dia

E nunca será a noite,

 

O sono vem

O sono traz,

 

Como vem não sei

E o que traz

Provavelmente

Nada vai trazer,

 

Mesmo assim

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto a chuva cai nos teus olhos

E um jardim de silêncio se ergue em direcção À lua

Abraço-te enquanto tenho forças para o fazer

Enquanto vou escrevendo

Por aqui

Coisas sem nexo

Que ninguém lê

Nem interessa ler,

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto eu fico lá

Abraçado ao mar.

 

 

04/01/2024

Sem sal

 

Às vezes o dia termina sem mim

Esquece-se que também eu preciso de terminar

De ir

E ele vai

Sem mim

 

Amanhã virá

Talvez não venha

Porque é sexta-feira

E o dia à sexta-feira

Fica mais cansado

 

Eu fui

Já regressei

Não sei onde estive

Mas sei

O que vi

Mas…

Já não sei o nome daquilo que vi

Mas sim

Estava lá

 

Às vezes

O dia termina sem mim

Vai

Não volta

Não me importo

Quero lá eu saber se o dia já terminou o seu dia

Ele é que sabe

Ele é que manda

 

Porque o meu dia

Só termina

Quando um petroleiro entra pela janela

E depois de dar três voltas à sala

Alguns apitos

Termina assim o meu dia

Um pouco parvamente

Um pouco descabido…

 

Sem sal.

 

 

04/01/2024

A tua voz

 

Oiço nos estalidos do fogo a tua voz

Melodicamente acordada,

Parecem margaridas,

Parecem a madrugada

Enquanto espera as nuvens perdidas

Que do outro lado da insónia rompem biblioteca adentro.

 

Oiço o silêncio da tua voz

Nos estalidos do fogo,

Muito bem vestido

O rapaz que traz o pão

Deixa sobre a mesa um bilhetinho para ti,

São os meus desejos

Desejar os teus desejos.

 

Oiço a tua voz

Em cada poema que escrevo

Em cada poema que escrevo e jogo no lixo

Em cada poema que escrevo

E longo em seguida,

Mato-o.

 

Com a tua voz.

Oiço a tua voz

E pergunto-me se estarei louco,

E pergunto-me porque choravam as acácias da minha infância…

Mas isso, já é outra estória, outra saudade…

Oiço a tua voz

E sei que o infinito existe;

São os teus olhos de mar.

 

 

04/01/2024