sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Os teus lábios

 

Não posso esperar que a noite traga nos lábios, os teus lábios.

Não posso ter nos meus braços,

Os teus braços,

Não posso ter a tua mão,

Na minha mão.

 

Não posso ter os teus beijos,

Nos meus beijos,

Tão pouco saborear a luz dos teus olhos,

 

Não posso inventar o sono,

Quando o sono apenas a ti pertence,

Não posso dizer-te baixinho… Amo-te,

Enquanto a noite não me trouxer os teus lábios,

 

Enquanto a noite,

Apenas a ti pertencer.

 

Não posso gritar,

Escrever nos muros da minha aldeia o quanto te desejo…

Não posso plantar esta árvore no teu jardim,

Porque o teu jardim não me conhece,

 

Porque o teu jardim é feito de pequeninos medos,

De sombras invisíveis.

Não posso ser mais poeta,

Porque já não tenho palavras,

Paciência para ter palavras.

 

Não posso ser mais eu,

Quando o outro eu,

Deixou de ter sono,

 

E espera que a noite traga nos lábios, os teus lábios…

 

 

05/01/2024

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Pôr-do-sol

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

E fico lá

Abraçado ao pôr-do-sol

Abraçado E fico lá.

 

E fico lá

Sentado

Abraçado a ti

Desenhando a fimbria alegria do mar

No teu sorriso

Quando se ergue a manhã por entre os arbustos

Nus

Inocentemente

Nus.

 

E fico lá Quando o silêncio se entranha no teu ventre

Quando depois

O teu ventre

É um poço de silêncio.

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol ainda é uma criança

Ainda brinca

Como nós

Como nós brincamos junto Ao Douro.

 

Abraço-te enquanto me perco

No pôr-do-sol

Ergo-me e voo para ti

Numa mão

Levo a tua mão

Na outra mão

Transporto e escondo o pôr-do-sol

E nunca deixo de te abraçar.

 

Quero escrever-te

Não tenho palavras

Quero desenhar-te

Não tenho

Frio

Tenho frio para te desenhar

E também não tenho tido muita inspiração,

 

Já nem consigo escrever

Já nem consigo desenhar.

 

A noite

É nossa Passa a ser o nosso esconderijo

O nosso pequeno triângulo de sono

Que desce pela parede da sala

Desce

E quando toca no pavimento

Fica lá

Como nós

Estamos cá

E fica lá

Lá…

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

 

E faço um cigarro

Meto coisas de um lado

E sai apenas uma coisa do outro

As máquinas são fantásticas

As máquinas

Parafusos de pressão

O buril

Senil

Doente

Abraço-te

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar,

 

Rodas dentadas

A girar.

 

Enquanto o meu corpo é visitado pelo berbequim Pelo esmeril

Sempre esmerado

De barbinha desfeita

E fico lá

À espera que se apresente o Comandante

Do abraço

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar,

 

Enquanto este Navio flutua nesta mansarda

Vou fazendo sinais de fumo

Vou trazendo o vento

Enquanto te abraço

Enquanto a lua está nos teus lábios

Enquanto isso

Eu prefiro não estar

E fico lá

Tão lá como cá…

A conversar com as borboletas.

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto o sono é insónia

Enquanto a calçada estiver intransitável

Devido às chuvas,

 

Abraço-te enquanto há pôr-do-sol

Enquanto há mar

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

E percebo que o teu abraço tem ramos de amendoeira em flor

E percebo que o teu olhar tem o teu abraço

Que por sua vez

No centro do meu abraço

Está e habita

O teu abraço,

 

Percebo

Percebo tanta coisa…

Que de quase nada percebo.

 

Ergo-me.

Volto a recusar-me

Sento-me

E deito-me

Às vezes

Muitas poucas vezes

E fico lá

E fico cá

E fico,

 

E fico a contar quantos barcos passam à minha porta

São muitos

São lindos

São em gigantescas chapas de aço

Têm coração

E amam

Como Deus nos ama,

 

Às vezes Sinto a carcaça do sono sobre mim

Tenho medo de que te roubem

De mim

E fico cá

Fico

A olhar o mar

Às vezes

Fico

Enquanto te abraço e enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Ligeiramente suave

Aos poucos

Cai sobre a espuma do teu cabelo.

 

Adeus

Pôr-do-sol.

 

Adeus mar

Adeus fogo cantado por um louco em chamas…

 

Eu te abraço

Enquanto o pôr-do-sol rouba o mar.

 

Enquanto o dia é noite

Enquanto a noite nem é o dia

E nunca será a noite,

 

O sono vem

O sono traz,

 

Como vem não sei

E o que traz

Provavelmente

Nada vai trazer,

 

Mesmo assim

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto a chuva cai nos teus olhos

E um jardim de silêncio se ergue em direcção À lua

Abraço-te enquanto tenho forças para o fazer

Enquanto vou escrevendo

Por aqui

Coisas sem nexo

Que ninguém lê

Nem interessa ler,

 

Abraço-te enquanto o pôr-do-sol rouba o mar

Enquanto eu fico lá

Abraçado ao mar.

 

 

04/01/2024

Sem sal

 

Às vezes o dia termina sem mim

Esquece-se que também eu preciso de terminar

De ir

E ele vai

Sem mim

 

Amanhã virá

Talvez não venha

Porque é sexta-feira

E o dia à sexta-feira

Fica mais cansado

 

Eu fui

Já regressei

Não sei onde estive

Mas sei

O que vi

Mas…

Já não sei o nome daquilo que vi

Mas sim

Estava lá

 

Às vezes

O dia termina sem mim

Vai

Não volta

Não me importo

Quero lá eu saber se o dia já terminou o seu dia

Ele é que sabe

Ele é que manda

 

Porque o meu dia

Só termina

Quando um petroleiro entra pela janela

E depois de dar três voltas à sala

Alguns apitos

Termina assim o meu dia

Um pouco parvamente

Um pouco descabido…

 

Sem sal.

 

 

04/01/2024

A tua voz

 

Oiço nos estalidos do fogo a tua voz

Melodicamente acordada,

Parecem margaridas,

Parecem a madrugada

Enquanto espera as nuvens perdidas

Que do outro lado da insónia rompem biblioteca adentro.

 

Oiço o silêncio da tua voz

Nos estalidos do fogo,

Muito bem vestido

O rapaz que traz o pão

Deixa sobre a mesa um bilhetinho para ti,

São os meus desejos

Desejar os teus desejos.

 

Oiço a tua voz

Em cada poema que escrevo

Em cada poema que escrevo e jogo no lixo

Em cada poema que escrevo

E longo em seguida,

Mato-o.

 

Com a tua voz.

Oiço a tua voz

E pergunto-me se estarei louco,

E pergunto-me porque choravam as acácias da minha infância…

Mas isso, já é outra estória, outra saudade…

Oiço a tua voz

E sei que o infinito existe;

São os teus olhos de mar.

 

 

04/01/2024

Lágrimas deste rio

 

Se a água deste rio falasse

Se este rio falasse palavras

E se as palavras fossem as águas deste rio,

 

Que feliz eu era!

 

Se este rio cantasse

E se as canções deste rio fossem pequenos silêncios…

E os pequenos silêncios fossem as lágrimas deste rio,

 

Que triste ficava o barqueiro!

 

Se a água deste rio falasse

Se este rio fosse poesia

Sol e geada e alegria,

 

Que feliz eu era!

 

04/01/2023

 

Inspiração…

Precisa-se.

Ujo

 


Ujo - S. Mamede de Ribatua - Alijó.


O poeta é um fotógrafo de palavras,

Um fotógrafo,

É um poeta de imagens,

 

E eu,

Sou um pássaro que voa sobre o mar…

 

04/01/2024