Este fogo que incendeia o
meu corpo,
Estas nuvens negras que
poisam no meu corpo,
E tudo isto, quando oiço
o silêncio dos teus olhos;
Este fogo que incendeia o
meu corpo retalhado e em pedaços,
Esta lareira que me
abraça,
Este fogo que alimenta…
Alimenta a minha alma.
Este fogo travestido de palavras,
Este fogo viciado em
suspiros,
Em flores de papel…
Em pedras lançadas,
Contra mim.
Este fogo que incendeia o
meu corpo,
Que dá vida ao meu corpo,
Este fogo miserável e sem
pátria…
Que transporto desde
menino,
Que alimenta a minha
saudade,
De correr debaixo das
mangueiras…
De ser feliz com pouco,
De tudo até à roupa.
Do cheiro da chuva,
Da terra queimada, da
terra amada,
Este fogo que incendeia o
meu corpo,
Do pouco que ainda me
resta,
Porque aos poucos,
O meu corpo deixa de ser
corpo…
E é vidro lapidado.
Este fogo que apelidaram
de noite,
Com janelas para o mar,
Este fogo de barcos, este
fogo no sorriso do capim,
Dos mabecos em busca de
sexo…
Será noite, meu amor?
As pedras em silêncio,
O olhar da lua, triste e
só.
Este corpo que se afasta
de mim,
E constantemente grita
pelo regresso da noite…
No meu corpo envenenado.
Este fogo que incendeia o
meu corpo,
Estas nuvens negras que
poisam no meu corpo,
E tudo isto, quando oiço
o silêncio dos teus olhos;
E tudo isto quando acorda
a manhã
E sinto que à minha volta
brincam as acácias da minha infância.
Sinto pena, meu amor,
Sinto pena do meu corpo
franzino,
Esquelético,
Magro, constantemente
magro,
Como se fosse uma sanzala
em busca de paz,
De pão,
E do meu corpo,
disfarçado de janela,
No pão do meu relógio,
quando afasto a morte,
E subo a montanha em
direcção ao teu olhar.
Este fogo que incendeia o
meu corpo,
Este fogo lançado pelas
areias do Mussulo,
Este fogo malvado, este
fogo alicerçado à maré…
Este fogo meu amor, este
fogo que incendeia o meu corpo,
Este corpo perdido no
cimo da montanha.
Este corpo do meu fogo,
Este corpo lançado às
pedras,
Antes de ser apedrejado
pelo tempo…
O meu corpo, meu amor,
Este fogo que se alimenta
dele,
Este corpo mergulhado nas
cinzes do teu olhar…
(como se fosse uma
sanzala em busca de paz,
De pão,
E do meu corpo,
disfarçado de janela)
O grito do meu corpo,
O fogo que dança na minha
mão,
O fogo que incendeia o meu
corpo,
Dentro de quatro paredes,
Ao sexo mutilado pela
sombra da luz,
Dia após dia,
Esta cidade mata-me,
devora-me como se eu fosse um bicho,
Um pedaço de negro e de
noite.
O dia, o dia acaba de
morrer, o dia parece mergulhar na algibeira do silêncio…
A abelha segreda-me que
está para breve,
O regresso do fogo,
Que transporta o meu
corpo,
Junto ao mar,
Perto dos teus cabelos,
Perto do céu,
No céu antes de acordar a
madrugada…
E este fogo, e este fogo,
É a alegria do meu viver.
10/11/2023