sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Corpo

 Este fogo que incendeia o meu corpo,

Estas nuvens negras que poisam no meu corpo,

E tudo isto, quando oiço o silêncio dos teus olhos;

Este fogo que incendeia o meu corpo retalhado e em pedaços,

Esta lareira que me abraça,

Este fogo que alimenta…

Alimenta a minha alma.

 

Este fogo travestido de palavras,

Este fogo viciado em suspiros,

Em flores de papel…

Em pedras lançadas,

Contra mim.

 

Este fogo que incendeia o meu corpo,

Que dá vida ao meu corpo,

Este fogo miserável e sem pátria…

Que transporto desde menino,

Que alimenta a minha saudade,

De correr debaixo das mangueiras…

De ser feliz com pouco,

De tudo até à roupa.

 

Do cheiro da chuva,

Da terra queimada, da terra amada,

Este fogo que incendeia o meu corpo,

Do pouco que ainda me resta,

Porque aos poucos,

O meu corpo deixa de ser corpo…

E é vidro lapidado.

 

Este fogo que apelidaram de noite,

Com janelas para o mar,

Este fogo de barcos, este fogo no sorriso do capim,

Dos mabecos em busca de sexo…

Será noite, meu amor?

As pedras em silêncio,

O olhar da lua, triste e só.

Este corpo que se afasta de mim,

E constantemente grita pelo regresso da noite…

No meu corpo envenenado.

 

Este fogo que incendeia o meu corpo,

Estas nuvens negras que poisam no meu corpo,

E tudo isto, quando oiço o silêncio dos teus olhos;

E tudo isto quando acorda a manhã

E sinto que à minha volta brincam as acácias da minha infância.

 

Sinto pena, meu amor,

Sinto pena do meu corpo franzino,

Esquelético,

Magro, constantemente magro,

Como se fosse uma sanzala em busca de paz,

De pão,

E do meu corpo, disfarçado de janela,

No pão do meu relógio, quando afasto a morte,

E subo a montanha em direcção ao teu olhar.

 

Este fogo que incendeia o meu corpo,

Este fogo lançado pelas areias do Mussulo,

Este fogo malvado, este fogo alicerçado à maré…

Este fogo meu amor, este fogo que incendeia o meu corpo,

Este corpo perdido no cimo da montanha.

Este corpo do meu fogo,

Este corpo lançado às pedras,

Antes de ser apedrejado pelo tempo…

O meu corpo, meu amor,

Este fogo que se alimenta dele,

Este corpo mergulhado nas cinzes do teu olhar…

 

(como se fosse uma sanzala em busca de paz,

De pão,

E do meu corpo, disfarçado de janela)

 

O grito do meu corpo,

O fogo que dança na minha mão,

O fogo que incendeia o meu corpo,

Dentro de quatro paredes,

Ao sexo mutilado pela sombra da luz,

Dia após dia,

Esta cidade mata-me, devora-me como se eu fosse um bicho,

Um pedaço de negro e de noite.

O dia, o dia acaba de morrer, o dia parece mergulhar na algibeira do silêncio…

A abelha segreda-me que está para breve,

O regresso do fogo,

Que transporta o meu corpo,

Junto ao mar,

Perto dos teus cabelos,

Perto do céu,

No céu antes de acordar a madrugada…

E este fogo, e este fogo,

É a alegria do meu viver.

 

 

10/11/2023

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