Uma criança pode ser tudo o que quiser; basta sonhar.
Eu menino
Eu criança
Eu sonhava
Sonhava com coisas
Coisas esquisitas
Coisas sem nexo
Sonhos invisíveis
Sonhos sonhados
Sonhos,
Coisas sonhadas
Coisas
Sons que me entravam
pelas frestas da manhã
E cheiros que eu
coleccionava nas mãos,
Sonhos
Malditos sonhos de sonhar
Que eu
Eu criança
Eu menino
Eu sonhava
Sonhava com sonhos que
sendo sonhos não eram sonhos,
Sonhava com merdas
Merdas que hoje são os
meus sonhos
Sonhos de merda
Coisas esquisitas,
Coisas de merda
Os sonhos
A vida de um sonhador
Sonhar que vive
Dentro da morte de um
sonho,
O frio
A chuva dentro do frio
Em cio
As tardes junto à Torre,
O rio
Naquele maldito rio
Onde habitam esqueletos
Onde brincavam as
crianças
As crianças que sonhavam,
Por isso
Eu menino
Eu criança
Eu sem sonhos,
Sonhava
Gritava
Sonhava com barcos em
papel
Sonhava ser pedra
Alicate
Martelo
(para foder a cabeça a
alguns)
Sonhos
Que sonhava
E morreram
Nos sonhos
De uma madrugada,
Os apitos
O clitóris disfarçado de
sombra
Entre um sonho
O outro sonho
E a vindima,
Mais um dia
Mais um ano
Com sonhos
Sem sonhos
Destes tristes sonhos de
menino,
(Uma criança pode ser
tudo o que quiser; basta sonhar.)
Sonhar o quê?
Sonhos
Sem sonhos neste taxímetro
a que apelidam de vida
Vida de sonho
Ou o sonho da vida,
Feliz aquele que não
sonha
Feliz o menino que nunca
sonhou
Sonhou feliz no sonho
Quando do sonho
Uma árvore se levantou
E gritou;
Que se fodam os sonhos
E que se fodam os sonhos
de sonhar,
Há quem sonhe em morrer
E não consegue matar-se,
Mata-se uma
Duas
Mata-se três…
Três horas da madrugada,
E no final
Está vivo,
Está a sonhar
Que morto
Sonhou
De morto se levantou,
E ajoelha-se no altar
Não sonha
Mas reza
Ergue as mãos a Deus
Pelo sonho sonhado
Estar morto
Assassinado
Estar vivo
Escrevendo poemas…
Escrevendo poemas
enquanto a vida me deixar
Por aqui
Por ali
Por aí,
Sonhar.
Alijó, 16/01/2023
Francisco Luís Fontinha