sexta-feira, novembro 22, 2024

Do círculo de luz com olhos verdes

Do círculo de luz com olhos verdes, uma janela à espreita de uma rua, o sedentário

e o corpo sobre uma cadeira vazia, o vazio da casa, apodrecendo entre teias-de-aranha e algumas pétalas de rosa,

depois, dentro da casa, uma santa que reza

o relógio esquecido na parede, da casa, olha-me e odeia-me,

tal como tu, me odeias; porquê?


Porquê são os silêncios o sorriso de uma rosa?

Porquê este ódio, do relógio

para comigo? Talvez 


Talvez me sinta escondido dentro de um pedaço de humilhação, às vezes

sou humilhado,

mas o que dizer, quando um elefante, enfartado

de palha e de pedras e de paus e de madrugadas

e de noites a correr e de luares

quase

quase a morrer o meu corpo mergulhado no escuro

de uma mão que procura,

o círculo de luz com olhos verdes


Boa noite oiço-o que desce pela chaminé, não o menino jesus em miniatura

mas a noite que é um fartote de riso e de bebedeira e de merda e de 

de urtigas,

nas nalgas


E o cu parece um pedaço de pedra

cada vez mais minguo

cada vez mais parecido

com o rabo de uma hospedeira, ou até de uma apresentadora

de televisão,

os braços tão finos finos tão finos

que até parecem elásticos a abraçar

notas de conto,

o escudo, fodeu-se

foi-se.

O rio deixou de correr, também se fodeu

e morreu.

O alicate que apenas servia para tirar dentes

agora

é coisa fina, é coisa quase perfeita

não só tira dentes

como até vende cuecas na feira. (olha a cueca freguês, cinco aéreos de sono e uma dúzia de orgasmos, loiros, têm de ser loiros)


E eu aqui

à espera que me caia o tecto em cima dos cornos, à espera que desça finalmente, não pela chaminé

mas pelo tubo das águas pluviais

o outro gato

que quando eu era criança

me atirava com pedras de nylon

e com paus de areia,

e às vezes

atirava-me o mar contra a focinheira.

Nunca tive, medo, a morte

de não ter sorte

de a minha janela

ser castanha

e quero lá saber eu da puta da janela que nunca consegui ver o mar,

mas que mar caralho?


E o círculo de luz com quase olhos verdes

à espera,

o que esperas tu meu cabrão de um falso poeta?


Faz como o Mário de Sá-Carneiro

Pega no revolver

Encosta-o aos cornos

e PUM,

filho da puta do catraio que partiu mais um vidro na escola,

e o meu pai

- não tens jeito nenhum para jogar à bola desiste pá

e eu desisti, eu desisto de pertencer a esta merda toda, toda

vestida de negro.

Não. Não pertenças a esta loucura, nunca

nunca queiras ser,

tudo aquilo,

que todos os outros

querem que tu sejas… um barco vestidinho de amêndoa

Não. Não pertenças a esta palhaçada. Do circo pobre do circo riso e do circo lésbico, dissipado numa conduta onde alguém escondeu um fluido complexo,

depois são as roldanas

são os parafusos de pressão

são a puta das vigas alveolares, olha

que se fodam as vigas alveolares,

e também o momento

flector,

e o mento

sem encanto,

do momento.

(e que viva o orgasmo e a masturbação)


Um pilar tomba no chão. Morre um gato morre um cão morre uma árvore morre um cigarro, morre

E o meu pai

- ó senhor José tenha lá paciência, mas o puto partiu mais um vidro na escola, 

e o senhor José

- oiça lá, mas o puto é maluco?


Maluco,

Um círculo verde com olhos vesgos com mãos quadradas, com roscas e com madrugadas,

o poeta de aparelho de soldar na mão,

solda tudo, aquele cabrão…

Até consegue soldar, vejam lá amigos, a vagina de uma árvore. 


Coitada da árvore.

Coitada.


A olhar o louco do Álvaro de Campos à janela, que fuma e que por sua vez,

olha o Esteves, que também está a fumar

e olha a menina,

que na sua inocência…

Vai comendo chocolates; e eu

sentado dentro da tabacaria.

(tabacaria

feitiçaria

letria

azia

sentia

um peso que não sabia

e a sanita

caía)


Parem já esta roda dentada que dizem que se apelidava

de vida,

mas há quem lhe chame,

de chaminé,

com duas bolas à cintura. Duas bolas em aço.


Não tenho paciência para isto e para aquilo

Não. Não pertenço aqui,

nem pertenço aqueloutro lugar onde em criança brincava com uns calções de brincar.


E comia papas de brincar e comia mangas de brincar e comia bananas de brincar…

Já não me interessa aquilo o que lá está lá está, e o que foi já não interessa

e o que será amanhã?


Dois cafés pela manhã na Ribadouro, um desenho no tecto talvez

talvez escreva com o meu silêncio,

um poema,

um poema no tampo da mesa.

E fique até que o meu complexo plano de implosão

seja concretizado;

primeiro implodir a casa

depois implodir todos os meus livros

depois implodir todas as coisas belas

depois e depois e depois e depois…


Implodir os meus duzentos e seis ossos e graças a deus que ainda os tenho a todos,

graças a deus.


Por fim. 

Por fim desabafar; apenas conversar ou apenas abraçar

a minha amiga Fátima, que da nossa infância apenas restou um caxo de bananas na memória 

e uma praia chamada de Mussulo. Nada mais.


Nada mais. Nada mais. Nada mais.


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