Do círculo de luz com olhos verdes, uma janela à espreita de uma rua, o sedentário
e o corpo sobre uma cadeira vazia, o vazio da casa, apodrecendo entre teias-de-aranha e algumas pétalas de rosa,
depois, dentro da casa, uma santa que reza
o relógio esquecido na parede, da casa, olha-me e odeia-me,
tal como tu, me odeias; porquê?
Porquê são os silêncios o sorriso de uma rosa?
Porquê este ódio, do relógio
para comigo? Talvez
Talvez me sinta escondido dentro de um pedaço de humilhação, às vezes
sou humilhado,
mas o que dizer, quando um elefante, enfartado
de palha e de pedras e de paus e de madrugadas
e de noites a correr e de luares
quase
quase a morrer o meu corpo mergulhado no escuro
de uma mão que procura,
o círculo de luz com olhos verdes
Boa noite oiço-o que desce pela chaminé, não o menino jesus em miniatura
mas a noite que é um fartote de riso e de bebedeira e de merda e de
de urtigas,
nas nalgas
E o cu parece um pedaço de pedra
cada vez mais minguo
cada vez mais parecido
com o rabo de uma hospedeira, ou até de uma apresentadora
de televisão,
os braços tão finos finos tão finos
que até parecem elásticos a abraçar
notas de conto,
o escudo, fodeu-se
foi-se.
O rio deixou de correr, também se fodeu
e morreu.
O alicate que apenas servia para tirar dentes
agora
é coisa fina, é coisa quase perfeita
não só tira dentes
como até vende cuecas na feira. (olha a cueca freguês, cinco aéreos de sono e uma dúzia de orgasmos, loiros, têm de ser loiros)
E eu aqui
à espera que me caia o tecto em cima dos cornos, à espera que desça finalmente, não pela chaminé
mas pelo tubo das águas pluviais
o outro gato
que quando eu era criança
me atirava com pedras de nylon
e com paus de areia,
e às vezes
atirava-me o mar contra a focinheira.
Nunca tive, medo, a morte
de não ter sorte
de a minha janela
ser castanha
e quero lá saber eu da puta da janela que nunca consegui ver o mar,
mas que mar caralho?
E o círculo de luz com quase olhos verdes
à espera,
o que esperas tu meu cabrão de um falso poeta?
Faz como o Mário de Sá-Carneiro
Pega no revolver
Encosta-o aos cornos
e PUM,
filho da puta do catraio que partiu mais um vidro na escola,
e o meu pai
- não tens jeito nenhum para jogar à bola desiste pá
e eu desisti, eu desisto de pertencer a esta merda toda, toda
vestida de negro.
Não. Não pertenças a esta loucura, nunca
nunca queiras ser,
tudo aquilo,
que todos os outros
querem que tu sejas… um barco vestidinho de amêndoa
Não. Não pertenças a esta palhaçada. Do circo pobre do circo riso e do circo lésbico, dissipado numa conduta onde alguém escondeu um fluido complexo,
depois são as roldanas
são os parafusos de pressão
são a puta das vigas alveolares, olha
que se fodam as vigas alveolares,
e também o momento
flector,
e o mento
sem encanto,
do momento.
(e que viva o orgasmo e a masturbação)
Um pilar tomba no chão. Morre um gato morre um cão morre uma árvore morre um cigarro, morre
E o meu pai
- ó senhor José tenha lá paciência, mas o puto partiu mais um vidro na escola,
e o senhor José
- oiça lá, mas o puto é maluco?
Maluco,
Um círculo verde com olhos vesgos com mãos quadradas, com roscas e com madrugadas,
o poeta de aparelho de soldar na mão,
solda tudo, aquele cabrão…
Até consegue soldar, vejam lá amigos, a vagina de uma árvore.
Coitada da árvore.
Coitada.
A olhar o louco do Álvaro de Campos à janela, que fuma e que por sua vez,
olha o Esteves, que também está a fumar
e olha a menina,
que na sua inocência…
Vai comendo chocolates; e eu
sentado dentro da tabacaria.
(tabacaria
feitiçaria
letria
azia
sentia
um peso que não sabia
e a sanita
caía)
Parem já esta roda dentada que dizem que se apelidava
de vida,
mas há quem lhe chame,
de chaminé,
com duas bolas à cintura. Duas bolas em aço.
Não tenho paciência para isto e para aquilo
Não. Não pertenço aqui,
nem pertenço aqueloutro lugar onde em criança brincava com uns calções de brincar.
E comia papas de brincar e comia mangas de brincar e comia bananas de brincar…
Já não me interessa aquilo o que lá está lá está, e o que foi já não interessa
e o que será amanhã?
Dois cafés pela manhã na Ribadouro, um desenho no tecto talvez
talvez escreva com o meu silêncio,
um poema,
um poema no tampo da mesa.
E fique até que o meu complexo plano de implosão
seja concretizado;
primeiro implodir a casa
depois implodir todos os meus livros
depois implodir todas as coisas belas
depois e depois e depois e depois…
Implodir os meus duzentos e seis ossos e graças a deus que ainda os tenho a todos,
graças a deus.
Por fim.
Por fim desabafar; apenas conversar ou apenas abraçar
a minha amiga Fátima, que da nossa infância apenas restou um caxo de bananas na memória
e uma praia chamada de Mussulo. Nada mais.
Nada mais. Nada mais. Nada mais.
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