sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Malabarista de primeira classe... diplomado

 

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno

procuraste uma tela vazia

construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana

pintados à mão,

 

(Fui o que nunca quis ser

sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

 

Desenhaste-me em murais que ultrapassavam os edifícios em ruína na cidade das gaivotas

sentei-me em ruas onde tudo se vendia

o corpo flores drogas álcool e amores

livros e papel de embrulho

desenhos e merdas sem sentido

porcarias vãs

vadias entre as pernas alicerçadas aos tambores de choque

envaidecias-te

eras nobre como uma donzela puta de adorno...

e os jardins cansavam-se de ti como velhos sorrisos

sonâmbulos das ínfimas janelas

e entrava-nos na sala de jantar o enfeitiçado mar...

 

Um cheiro horrendo

barcos vomitando saliva esbranquiçada

lágrimas

e muitas estrelas

todas elas

embriagadas,

 

Desenhaste-me como se eu fosse um boneco de palha

um cabrão mal vestido

de fato

gravata

e sapato bicudo afiado reluzente como um espelho da feira popular...

chorudas mulheres de açúcar

dormindo em roulottes como gazelas em sexos murchos que os finos pinheiros de Carvalhais...

lançam

deixam ficar sobre a tua pele...

todas as palavras de adeus...

Adeus

Até nunca mais me desenhares nos murais das montanhas de aço,

 

Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno

procuraste uma tela vazia

construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana

pintados à mão,

 

(Fui o que nunca quis ser

sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)

 

Desenhares-me invisível

sem saberes quem sou

como penso

vivo

se tenho sonhos

consegues perceber os meus lamentos?

 

Fui tanta porcaria...

cavaleiro

donzela

prostituto

pintor

escritor

abelha tonta tonta como ela... ela tão bela...

e tudo porque me desenhaste nos murais das montanhas de aço,

 

E poeta não o sou

talvez o seja quando se apercebe em mim um silêncio de loucura

devaneio

os peneirentos pássaros que as arcadas do desassossego escondem

constroem e inventam insónias em papel como pobres flores de arremesso...

 

Desenhares-me em toda a porcaria livre

nas calçadas

nas ruas e ruelas

cansadas...

desenhas-me como se eu fosse um esqueleto de amêndoa

suspenso nas três horas da madrugada...

nas calçadas

ruas

e ruelas

sou

nunca o fui

desejo-o como se ele fosse um abutre de asas cinzentas,

 

Sou

fui nunca

poeta pintor escritor porque nunca deixei de o ser...

malabarista de primeira classe... diplomado.

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