quinta-feira, 18 de abril de 2024

Solidão

Aos poucos, as coisas simples e belas, desistem de mim

Aos poucos vejo a beleza da vida dentro de uma conduta capilar

Onde um fluido, frio e escuro, foge a sete-pés como o diabo fugiu da cruz

Aos poucos, percebo que estou só, completamente só, como sós estão os embondeiros

E o capim das sanzalas

 

Aos poucos, na minha cidade começaram a construir muros, depois, alguém se lembrou de espelhar esses muros

Hoje vivo dentro de oito espelhos, um cubo perfeito com desejo de insónia

Também ela, também eu, completamente sós

Nós

E a noite

 

Aos poucos, as coisas de que eu gostava, começam a despedir-se, lentamente, como que daqui a nada seja noite e não haja iluminação para afugentar as estrelas

E aos poucos, fico cada vez mais só dentro destes oito espelhos, sem janelas, sem ratoeiras onde possam cair perfeitamente dois gramas de qualquer coisa

Que não tenha medo de mim

Que não se esconda de mim

 

Aos poucos, as coisas simples tornam-se complicadas, e as complicadas, suicidam-se numas quaisquer coxas envenenadas por uma serpente

Aos poucos, tenho medo

Aos poucos fico só e até o vento deixou de ser o vento

Aos poucos, até o mar deixou de ser o mar

E diz-se por aí que é das alterações climáticas

Para mim

É a solidão

 

O maior veneno que existe para assassinar um homem enquanto ele dorme; é a solidão.

 

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