quarta-feira, 10 de abril de 2024

Madrugada

Saboreia o teu primeiro beijo olhar, bebe o teu primeiro café ensonado, como tu, embrulhado durante a noite na manta da insónia.

Saboreia o primeiro raio de luz, a primeira décima centígrada da manhã,

Saboreia o silêncio dos plátanos, e saboreia

O perfume dos meus olhos.

 

Saboreia o cigarro em cio, que ao acordar fode o meu pulmão, e depois oiço-lhe os gemidos de prazer

Saboreia o livro que estás a ler,

Não sabendo eu se gostas de ler ou se sabes ler…

Saboreia o cinzento dia, saboreia o banco de jardim onde te sentavas a escrever poesia

E depois ficavas entretida a lançá-la ao mar e a quem passava;

Que giro, ver as pessoas embriagadas de poesia.

 

Saboreia o ano de mil novecentos e noventa, saboreia a procissão e os anjinhos, saboreia as flores, e as minhas mãos

Acabadinhas de acordar. Saboreia

O mar

E a lua

E o luar.

Saboreia a infância de uma árvore, quando criança, como as árvores, estão apaixonadas pelo silêncio.

 

Saboreia que eu queira saborear, uma réstia de pétala, um pedacinho dos teus lábios

Sitiados nos meus lábios.

Saboreia o espaço e a luz e a escuridão, saboreia o cofre onde guardas o teu coração, saboreia

Os versos e os restantes minutos que faltam para eu morrer.

 

Saboreia o meu esqueleto, quase invisível, quase água, e desajeitado como barcaça, que atravessa o mar do teu corpo. Saboreia o desejo de eu me sentar naquele fino fio de nylon, que atravessa a tua boca

Saboreia em quantas partes se divide o corpo, e se multiplica o poema. Saboreia a fome que um poema pode causar no olhar de um poeta, ou nas mãos de sua amada.

Saboreia a tarde,

Saboreia a madrugada…

 

 

(10/04/2024 / Francisco)

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