As horas de dormir, pareço que finjo, quando acordo embrulhado nas palavras do adeus, uma pequeníssima gota de silêncio absorve a madrugada, agarro-me ao teu corpo suspenso no cortinado da insónia e, há sempre uma criança que brinca na enxada da tarde.
Soltam-se as amarras de todos os
barcos, acordam dos oceanos todas as tormentas e, sabe-se lá, quando vem a
terra a solidão de um dia sem memória. Os homens sofrem, quando do granítico
silêncio, as palavras do poema, inventam-se, rodopiam nas redondezas da cidade,
quando um grito silencioso cai sobre todos os jardins.
A fragrância das flores adormecidas, as
horas de dormir, pareço um fantasma dançando sob a tenda do circo imaginário,
há palhaços de calcário, meninos de farrapos, junto ao mar, em cio, o corvo, as
pirâmides embebidas em shots de nada e, no final da tarde, começa a descer a
noite porta adentro.
Ponho à janela na esperança de olhar o sol,
quando a noite está doente, cansada de brincar, quando depois de se evaporar a
tarde, o teu corpo docemente se alicerça nas minhas mãos, as horas, os
silêncios depois das horas e, dizes-me que a cada fim de tarde há uma janela
que se encerra.
Tenho na minha mão o teu perfume, a cânfora
manhã do sítio inanimado quando sei que lá fora um pingo de inveja sobeja das
multidões em fúria. Discretamente, aos poucos, desenho-te na sombra dos livros
ainda não escritos, gatafunhos acomodados às tristes margens deste rio sem
nome, uma cabeça transparente, imunda, no nojento corpo das cidades da
mendicidade e, imagino-me à procura de uma fina folha de papel onde escrever o
meu testamento.
Tenho medo que amanhã não pertenças mais à
cidade.
Que amanhã sejas apenas uma estátua de areia
junto ao mar, trazes contigo as fotografias, as flores dos livros perdidos e, sabe-se
lá porquê, as horas de dormir, são pedacinhos de silêncio nas tuas mãos.
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