quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

O poeta de Cristo

 

A floresta virgem

Maria de seu nome

Com três filhos marujos

Com muita fome

Maria arregalada

Desterrada

Descanhota

Por este mundo de amargura

E podem pensar

Vossemecês

Que há muitos ujos

Mas ujo só há um

O de S. Mamede de Ribatua

E apenas um

E mais nenhum

Como a lua

Há só uma lua

A minha

Que anda pelas ruas

Nua

Da ternura ternurenta canção de embalar

Furibunda

Como a Maria amortalhada

Com três pimpolhos

Com três lâminas de barbear

 

E uma espingarda

Virgem é a floresta

Dos acoites

Das marés de sémen

Quando da montanha

Regressa Cristo

Ressuscitado

Bem vestido

E bem barbeado

 

Não sei se Cristo acaba de nascer

De acordar ao fim de três dias

Tantos como os filhos marujos de Maria

Tantas como as palavras que aprendeu a escrever

 

Na ardósia da vida

Cristo tinha um poeta

O Fontinha

Que tal como o miradouro do Ujo

Também era único

Também ele

Nasceu ao terceiro dia

Da primeira madrugada

E enquanto seu pai se masturbava

Sua mãe

Desenhava no chão térreo do infortúnio

A oitava maravilha da alvorada

Uma é encarnada

Outra é pólvora

E pum

 

Pum

Cristo descruza as mãos

Puxa de um cigarro

Acende-o

E exclama…

Amanhã é sexta-feira

É feira

O que vender não sei

Talvez comprasse um burrinho

Insuflável

E com rodinhas de embalar

 

E nos olhos

Uma lâmpada encarnada

Abrimos apenas depois da meia-noite

E encerramos

Pela madrugada

Claro que Cristo

Não gostava

Mas eu

Eu gostava

De me olhar no espelho

Eu nu

Tentando esconder os ossos

No cortinado da alvorada

 

Cristo

Não precisava

Tinha medo de lhe tocar

De foder ao som do poema que nunca será terminado

Enquanto o poeta contava estórias sem melodia

Tristonhas

E às vezes

Não sabia

Não sentia

Os quatros ventos a assoprar

Nos costados de Maria

 

E aos poucos

O poeta se fodia

 

Viva a escultura

Morte à poesia

Viva o cinema´

Animado

Sem filhos

Com cara de espantalho

Migra

Desce da cadeira

Grita

E morre junto ao seu nome

 

Que ninguém sabia

Que conhecia

Dito ser e de málaga amedrente mulher

Diamantes

E o oiro da civilização

E as esmeraldas

Da maldição

Como dizia AL Berto

“não sei se o soldado falha o degrau do eléctrico que vai para a Ajuda

Ou se fode ou não ajuda

Tão triste Mário

Lisboa e um apito”

E dito

Ou não dito

Cristo veio a mim

Cristo

Pela primeira vez

Me abraçou tanto

Tanto

Meu pai

Que até pensei que estava a sonhar

 

Mas a sonhar não estava

Nem a dormir

Nem a comer

Borboletas

E palhacitos ao pequeno-almoço

Quê do poeta?

Senhor Santo Cristo!

E Cristo responde que não sabia

Se soubesse não o dizia

Que apenas se interessava

Por poesia

Claro que Cristo

Gostava de poesia

De fumar charros à varanda

Ou à janela

E todos os anos

Pelo Natal

Escondia-se numa pequena arca

Cor-de-rosa

Com um pequeno orifício

De onde espreitava o mar

 

O poeta

Fodia-se a cada verso escrito

A cada janela aberta

Com o silêncio travestido de azul-marinho

Ia descalço

E acreditava

Que pelo caminho

Iria encontrar

Um outro poeta

Um outro menino

 

E acreditava

O parvalhão do menino

Que pelo Natal acorda a amizade

E meia hora depois

Morre a amizade

Fode-se o poeta

E no letreiro sobre a porta

Tinha escrito o menino

Que se foda o Natal

 

E também o Natal não sabia

Que o poeta

E o menino

Eram filhos

Do mesmo destino

 

E que destino

 

O deste menino

 

Ser poeta

Ser o poeta de Cristo.

 

 

21/12/2023

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