A floresta virgem
Maria de seu nome
Com três filhos marujos
Com muita fome
Maria arregalada
Desterrada
Descanhota
Por este mundo de
amargura
E podem pensar
Vossemecês
Que há muitos ujos
Mas ujo só há um
O de S. Mamede de Ribatua
E apenas um
E mais nenhum
Como a lua
Há só uma lua
A minha
Que anda pelas ruas
Nua
Da ternura ternurenta
canção de embalar
Furibunda
Como a Maria amortalhada
Com três pimpolhos
Com três lâminas de barbear
E uma espingarda
Virgem é a floresta
Dos acoites
Das marés de sémen
Quando da montanha
Regressa Cristo
Ressuscitado
Bem
vestido
E bem barbeado
Não sei se Cristo acaba
de nascer
De acordar ao fim de três
dias
Tantos como os filhos
marujos de Maria
Tantas como as palavras
que aprendeu a escrever
Na ardósia da vida
Cristo tinha um poeta
O Fontinha
Que tal como o miradouro
do Ujo
Também era único
Também ele
Nasceu ao terceiro dia
Da primeira madrugada
E enquanto seu pai se
masturbava
Sua mãe
Desenhava no chão térreo
do infortúnio
A oitava maravilha da
alvorada
Uma é encarnada
Outra é pólvora
E pum
Pum
Cristo descruza as mãos
Puxa de um cigarro
Acende-o
E exclama…
Amanhã é sexta-feira
É feira
O que vender não sei
Talvez comprasse um burrinho
Insuflável
E com rodinhas de embalar
E nos olhos
Uma lâmpada encarnada
Abrimos apenas depois da
meia-noite
E encerramos
Pela madrugada
Claro que Cristo
Não gostava
Mas eu
Eu gostava
De me olhar no espelho
Eu nu
Tentando esconder os
ossos
No cortinado da alvorada
Cristo
Não precisava
Tinha medo de lhe tocar
De foder ao som do poema
que nunca será terminado
Enquanto o poeta contava
estórias sem melodia
Tristonhas
E às vezes
Não sabia
Não sentia
Os quatros ventos a assoprar
Nos costados de Maria
E aos poucos
O poeta se fodia
Viva a escultura
Morte à poesia
Viva o cinema´
Animado
Sem filhos
Com cara de espantalho
Migra
Desce da cadeira
Grita
E morre junto ao seu nome
Que ninguém sabia
Que conhecia
Dito ser e de málaga amedrente
mulher
Diamantes
E o oiro da civilização
E as esmeraldas
Da maldição
Como dizia AL Berto
“não sei se o soldado
falha o degrau do eléctrico que vai para a Ajuda
Ou se fode ou não ajuda
Tão triste Mário
Lisboa e um apito”
E dito
Ou não dito
Cristo veio a mim
Cristo
Pela primeira vez
Me abraçou tanto
Tanto
Meu pai
Que até pensei que estava
a sonhar
Mas a sonhar não estava
Nem a dormir
Nem a comer
Borboletas
E palhacitos ao
pequeno-almoço
Quê do poeta?
Senhor Santo Cristo!
E Cristo responde que não
sabia
Se soubesse não o dizia
Que apenas se interessava
Por poesia
Claro que Cristo
Gostava de poesia
De fumar charros à
varanda
Ou à janela
E todos os anos
Pelo Natal
Escondia-se numa pequena
arca
Cor-de-rosa
Com um pequeno orifício
De onde espreitava o mar
O poeta
Fodia-se a cada verso
escrito
A cada janela aberta
Com o silêncio travestido
de azul-marinho
Ia descalço
E acreditava
Que pelo caminho
Iria encontrar
Um outro poeta
Um outro menino
E acreditava
O parvalhão do menino
Que pelo Natal acorda a
amizade
E meia hora depois
Morre a amizade
Fode-se o poeta
E no letreiro sobre a
porta
Tinha escrito o menino
Que se foda o Natal
E também o Natal não
sabia
Que o poeta
E o menino
Eram filhos
Do mesmo destino
E que destino
O deste menino
Ser poeta
Ser o poeta de Cristo.
21/12/2023
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