Tenho três cabeças, quatro pernas e cinco braços, vivo dentro de uma rosa e às vezes pintam-me de encarnado, tenho a madrugada dentro de mim, e sou o dono legítimo das nuvens, legado em testamento pelo sol; sou muito rico. E sou o proprietário do luar.
Vivo em jardins emprestados, e sou alimentado pelo olhar dos apaixonados, tenho três cabeças, quatro pernas e cinco braços, oiço música clássica e às vezes alicerço-me nos lábios de uma gaivota, ela sem asas, não voa, nunca voou, ela não três cabeças, ela não quatro pernas, ela não cinco braços, ela, ela apenas possui olhos de mar e deita-se no pôr-do-sol.
Eu cinco braços e nunca voei, e ele pergunta-se, e eu pergunto-me,
- como será voar!
E ele pergunta-se como será voar, ser o dono da manhã quando a tarde começa a acordar, e das três cabeças às vezes pintadas de encarnado apenas dois olhos, um par de lábios e quatro narizes, e eu pergunto-me, e ele pergunta-se,
- porquê?
E eu pergunto-me,
- porquê a ela?
Vivo dentro de uma rosa e às vezes pintam-me de encarnado, tenho a madrugada dentro de mim, e sou o dono legítimo das nuvens, sou o menino dos sonhos que perdeu-se junto à praia, e a praia ficou lá, a areia finíssima ficou lá, o esqueleto veio, eu fiquei lá, ele ficou lá, e pergunto-me, ele pergunta-se,
- porquê? Porquê a ela?
Ninguém. E ninguém. Ninguém me responde porquê, e se ao menos o silêncio me explicasse porquê, se ao menos o silêncio lhe explicasse porquê ela, mas ninguém, e ninguém junto às árvores, e as árvores com os pezinhos enterrados na areia, muitos braços, mas como eu, mas como ele, não sabem voar, e alguém pergunta,
- porquê?
Se ao menos o meu corpo de tungsténio… e o meu corpo não tungsténio, o meu corpo frágil que vive dentro de uma rosa, tenho três cabeças, quatro pernas e cinco braços, e pergunto-me, e ele pergunta-se,
- porquê ela?
(texto de ficção)
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