quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A cidade

No finíssimo acordar do orvalho, quando se encalha nos teus ossos até aos alicerces, a madrugada finge deliciar-se com a tua solidão, e sem pressa, muito devagar, aos poucos, derrete-se no corpo de um sem abrigo qualquer.
A manhã dá os primeiros avanços nos ponteiros do teu relógio biológico, e o dia, ao ritmo de um amor esquecido numa esquina da cidade, avança sem pressa na direcção do abismo.
São 9:00 horas.
Estou na esquina da cidade.
O rapaz da esquina, sempre à espera dum cigarro apagado e esquecido no chão, mesmo pertinho dos seus sapatos que mais parecem um automóvel após um choque com o desconhecido, não tem pressa nem medo do passado que se recusa a falar e a admitir que teve passado.
- Tem um cigarrinho?
Não. Não fumo.
As ruas da cidade fervilham e nas suas veias o sangue jorra no então agora circuito mágico do teu imaginário. Tens medo. Eu tenho medo.
Tenho medo de ser teu amigo, tu, filho da cidade, e que adoras o Deus Amo-te,  irmão da Deusa Odeio-te. A tua mão deixou de ser esbelta, aquela que no passado acariciava o sorriso das minhas ruas, deixou de existir. A demolição foi eminente, os teus ossos abandonados na penumbra da manhã, escondem-se no nevoeiro junto ao rio, e à boleia, correm para o mar.
São 9:00 horas
- Tem um cigarrinho?
Não. Não fumo.
O perfume de sexo barato liberta-se e da pensão dos vinte e cinco euros um finíssimo acordar do orvalho, finge fugazmente não perceber o cheiro. No intervalo dum cigarro e apressadamente, mas devagar, rio-me da tua figura; pareces uma delinquente encalhada como um veleiro na marina. Queres acordar, mas o cheiro intenso deixa-te na escuridão dos lençóis meio limpos, meio sujos, meio molhados. E ainda há pouco estiveste dentro de mim, como se tu e eu, nós os dois, fossemos apenas um, a unidade inseparável. E consigo ver a tua sombra que se espalha pela imensidão, e todo o quarto se ilumina quando acordas e sorris para mim.
Bom dia, meu amor!
- Tem um cigarrinho?
Não. Não fumo.
São 9:00 horas.

(texto de ficção)

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