terça-feira, 24 de setembro de 2024

e cansei-me de esperar

 

antigamente

sentavas-te ao meu lado

e contavas-me uma estória

antigamente

escrevias-me um poema

antes de adormecer

 

antigamente ouvia a tua voz

nos umbrais da solidão

quando batiam à porta

e ninguém

e ninguém para te receber

 

antigamente

os pássaros eram azuis

e as nuvens encarnadas

e as flores

antigamente

e as flores usavam brincos

e gargantilhas às cores

antigamente ouvia a tua voz

 

ouvia a tua voz

disfarçada de manhã

vestida de transeunte apressado

 

desce a calçada

cansada

de labutar,

depois em casa,

à pressa,

desarruma o cabelo,

e não tem tempo para se sentar,

dá banho aos filhos,

depois, o jantar,

às vezes,

é espancada,

e no entanto,

não se cansa de labutar,

tão pouco,

em desistir.

 

tão pouco,

tudo abandonar.

 

chega à cama,

e muitas vezes, um boizana dela quer abusar,

quando ela mesmo,

apenas queria dormir…

e sonhar.

 

ao outro dia,

ergue-se,

e novamente,

 

sobe a calçada

cansada

de labutar,

depois fora de casa,

à pressa,

arruma o cabelo,

 

e vai trabalhar.

Coisas

 

Tantas coisas insignificantes

que atravessam o nosso caminhar

coisas e coisas não importantes

coisas que nos deixam sem falar,

 

coisas negras com bolinhas encarnadas

coisas banais

tantas coisas amarguradas

suspensas nos umbrais,

 

coisas

tantas insignificantes

que atravessam o nosso caminhar,

coisas e coisas

com coisas humilhantes

às coisas de sonhar.

as palavras doidas entre os dedos compridos

 

Amar de ti

os versos proibidos

as palavras doidas entre os dedos compridos

as palavras de amar

sofridas

 

amar de ti

os medos

os versos proibidos

amar de ti os corpos doridos

as palavras de amar

nas estrelas da noite

 

amar de ti

os versos proibidos

nas cancelas do sofrimento

amar amar amar

amar o vento

sofridas

as palavras de encanto

doidas entre os dedos compridos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

a morte dos cigarros

 

uma flor de prata

com pingos de silêncio

a despedida

o reencontro

uma gaivota perde as asas

nas nuvens de néon

constroem-se sombras de oiro

na copa das árvores

uma flor

uma flor de prata

uma flor de prata na despedida

nos pingos de silêncio

 

subitamente

o orgasmo digital

de uma fotografia a preto e branco

e sandálias de chita

 

(Uma flor de prata

com pingos de silêncio

a despedida)

 

subitamente

a morte dos cigarros

contra os rochedos pulmonares

a despedida

o fim

the end

À minha terra

 

De onde eu vinha

não sabia para onde ia

e que um dia

eu iria

perceber

que não sabendo

eu sabia

que um dia

regressaria

à terra que me viu nascer

na terra onde quero morrer.

 

(Paquete Império)

A maré dos prazeres

 

Há uma estrada de sentido único

que se alicerçou no meu quintal e cresceu e cresceu

cresceu tanto

cresceu até ao céu

e hoje

e hoje vive nos lábios da lua

e ao meio-dia

beija loucamente a estrela polar

 

há uma estrada de sentido único

com vista para o mar

quando os barcos rompem o salgado desejo da tua pele

em pedacinhos de amêndoa

 

(dizes que sou louco)

 

quando escrevo palavras no teu corpo de papel

pintado com sorrisos de sol

e pingos de neblina

antes de acordar o dia

 

quando escrevo as parvoíces na copa das árvores

e os pássaros das tuas tardes abraçadas às oliveiras traquinas

suspensos nas cabras e nas ovelhas

coitadinhas

 

(dizes que sou louco)

 

coitadinhas das minhas palavras

quando o papel da tua pele

arde

transpira

evapora-se no meu sexo em cadências extintas na maré dos prazeres...