terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Espelho

 

Vejo no espelho

O espectro mecânico do meu olhar, vejo no espelho, a tristeza do meu olhar,

Quando o meu olhar,

Morre dentro deste quadrado de solidão,

 

Vejo no espelho,

O sono, a insónia vestida de sono,

E vejo também neste espelho,

As mãos da madrugada,

Que apertam o meu pescoço,

E que me sufocam antes de acordar o dia.

 

 

02/01/2024

Poema vencido

 

Nem o suicídio sossega o poeta,

Em viver e sofrer

E sofrer em viver,

Esperando a morte,

Esperando o acordar

Do poema vencido.

 

02/01/2024

Olhos cinzentos

 

Hoje os teus olhos estão cinzentos

Advinham chuva

Ou simplesmente choraste durante a noite

Talvez seja a minha ausência…

Talvez se deva à minha rebeldia

De pensar e escrever

Esta condição maldita

Em ser poeta

E vestir-me de poesia.

 

 

02/01/2024

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Luiz Pacheco

 

Pedra

Pau

Padre

Pilau

 

Pedra padre pilau que arde

Arte

Padre

Cristo ao léu

Cristo mendigo

Pedra

Pau

Pedra

Pilau

 

Luiz Pacheco

Pedra

És um pilau de pedra

Padre

Serra

Corta os dedos

Levanta a voz

Pedra

Pau

Padre

Pilau

 

Masturba-te

Pilau de pedra

Padre

Pau

 

Voz

Canção

Revolta

Volta a mim

Pedra

Pau

Padre

Pilau

 

Pilau de pedra

Pedra pau pilau de padre

Corrente sanguina

Sangue

Leite em pó

Pedra

E pau

E pilau

De pedra

De pedra padre Lima

 

Satélite

Foguetão animal

Canino

Felino detesto

Pedra

Pau

Pilau de pedra

De pedra o pilau

Do padre

 

Uísque

Que seja o padre

Que seja o pilau

Que seja a pedra

Da pedra

Pilau

Do padre pedra

Do padre pilau

 

(pedra

Pau

Padre

Pilau)

 

Pilar de pedra

Pau de pilau

Pedra

Pedro

Francisco

Luiz Pacheco

De pedra

Pilau

Teso

Como eu

Padra

Pilau

De pedra

De pedra como eu.

 

 

01/01/2024

Objecto quase

 

A tua boca incendeia a minha boca, na tua boca teus lábios a fimbria manhã do mar, a tua boca aprisionada aos meus lábios, e o poeta começa a dessecar o teu cabelo,

 

Montanha do Adeus quando Deus começa a fumar o último cigarro da madrugada.

Filho, ouve-me

Filho, vem a mim

E dar-te-ei as plumas da noite.

 

A tua boca mendiga, mendiga o beijo, mendiga que o diga, que nunca o dirá

A tua boca amarga quando inventas a tempestade na esquina do pedestre homem de prata.

 

A tua boca incendeia, a tua boca, na minha boca, quando transportas nos olhos a magreza do silêncio,

Pouco em mim se despede,

Pouco ou quase muito pouco,

Se cansa de mim.

 

Da tua boca o nascer do sol, na tua boca o acordar da Primavera com uma pitada de chocolate, na tua boca o doce comboio da saudade, infame riso, quando a tua boca desenha sorrisos na clandestina metáfora do poema,

 

Na tua boca, eu me deito, eu me morro, de pensar na tua boca…

 

Na tua boca o calor desta fogueira.

 

A tua boca, na minha boca

És tu, filho?

A tua boca que dispara papelinhos cor-de-rosa, a tua boca quando percebo que a tua boca permanecerá indivisível,

Como poderia eu dividir a tua boca,

Em duas,

Em três,

Pedacinhos de alegria.

 

A tua boca sabe a uísque.

A tua boca na minha boca, mendigo que sou, aprendiz de feiticeiro, astrólogo, e mercúrio sempre retrógrado, em aquário

Uma estrela morreu.

 

A tua boca, minha querida, silêncio de espuma, manjar artesanal dos finais de tarde junto ao mar,

Tua minha boca a tua boca incendeia a minha boca

 

Amanhã terei a tua boca, segundo previsões do FMI, amanhã…

Direi, dirão que a tua boca é um inferno de amar,

Quando a noite te pertence.

E quando amar é uma noite.

 

E quando ser é não ser. Amanhã dirão, que o Inverno é Verão, e a tua boca pertence-me e nunca mais direi que a tua boca sabe a uísque…

 

Caí sobre ti.

A minha boca.

 

A tua boca na minha boca, incêndio que se apodera dos meus braços, o meu corpo arde, trasveste-se de sombra e de nojo,

 

E morre na tua boca.

 

Sabes, meu amor, na tua boca há palavras proibidas, palavras guerreiras, palavras garridas e de muitas cores,

E de muitos sabores.

 

Quero a tua boca, meu amor!

 

Quero o sabor da tua boca!

 

Meu amor.

 

Na tua boca sei que existem margaridas, papagaios em papel, mangas, sombra de mangueira, pedacinhos de capim, deserto no chão

Existe também, na tua boca,

A sibala,

Existe, também, meu amor

O relógio de pulso que me expulsa quando acorda o dia,

 

Quase noite, este objecto quase,

Quase tudo

Quase nada

Quase que quase

Absolutamente quase…

 

A tua boca.

Emagrece o dia, engorda a noite, despede-se de mim, a tua boca, fico só, fico triste, fico Quase…

Um objecto quase.

A tua boca é arte. A tua boca é poesia, mendicidade, promessas do dia e outras coisas vindas da cidade, a tu boca arde

Incendeia.

Mata a minha boca.

 

A tua boca é isto

É aquilo

É terça-feira

Quase objecto

Quase quarta-feira…

na tua boca.

 

A tua boca despe-se, veste-se e dispara na minha boca, senta-se, alisa o cabelo venturado, ergue-se e beija a minha boca,

Amanhã, filho

Amanhã…

A tua boca me pertencerá.

 

A tua mingua boca, na minha boca, quando todas as palavras do poema incendeiam, também elas sabem incendiar, a tua boca,

Falange,

Menino traquina a brincar com barcos,

E trapos,

E farrapos,

Com serpentes,

Na tua boca o medo

Da tua minha boca,

Sentimento que dorme em mim, quando se levanta o horizonte e logo mais é noite

 

E depois,

Logo mais é dia.

Quando na tua boca é sábado

Quando na tua boca é domingo

Quando na tua boca é poesia.

 

Que diria

A tua boca

Da minha boca!

 

Sendo a tua boca um esconderijo de mentiras.

 

 

01/01/2024

Brancura

 

Brancura que o corvo alimenta durante a noite, uma outra noite, seus filhos e seus netos, brancura maresia quando já é manhã, quando um pássaro vem de longe e transporta no bico

O penúltimo luar.

 

Brancura teu corpo, tão branco como a espuma do mar, brancura tatuada na tua língua, na tua mão junto ao beijo.

Brancura o silêncio e a despedida e a aurora que nunca mais vai acordar, brancura de ter, brancura de amar. Brancura mingua madrugada, com cinturão encarnado e na mão uma espada, uma sandália, brancura esse teu corpo, brancura tatuada nas páginas de um livro.

 

Brancura desanimada, triste, doente, talvez ausente, brancura fogo na boca do artista, brancura a caneta nos dedos do poeta, que escreve na brancura do teu corpo, que desenha na brancura do teu corpo…

O astrolábio do desejo.

 

Brancura quando este relógio se cansa de me acompanhar, e na brancura nocturna do teu clitóris, oiço a quinta sinfonia de Beethoven, tão linda

A brancura do ausentado menino.

Brancura de amar, brancura de desejar, o mar, o luar, a lua, o sol.

Brancura de ter uma mão disponível para pedinchar,

Um bolso onde guardar as amêndoas dos teus olhos, brancura de ser, pássaro fêmea revoltada na brancura do teu corpo,

A brancura tatuada.

 

Brancura que o corvo alimenta,

Altamente tóxico, quando há na brancura de amar

Um pedaço de aço,

Uma porção de chapa canelada,

Brancura este corvo, que alimenta a noite, que traz as cinco pedras da brancura…

 

Que pega nesta enxada

De brancura purpura

Levante até ao cume da montanha,

Brancura esta que o teu corpo apanha,

Que o corvo alimenta

Quando a noite tem fome.

 

 

01/01/2024

Pai nosso

 

Pai nosso

Que viveis dentro desse buraco negro

Sentado numa pedra

Que nem tempo tens para um cigarrinho

Ou falar com a gente.

 

Pai nosso

Que viveis nessa escuridão de semimorte

Nesse complexo ultraje da vivência

 

Pai nosso guerreiro

Que viveis dentro desse buraco negro

Sem janelas

Sem o cheiro do mar.

 

Sem os barcos.

Pai nosso

Ergue as mãos ao teu filho

Que de puta em puta se fez homem

Pai nosso dos buracos negros e dos céus e das raízes invisíveis

Dizei-me;

Porquê.

 

 

 

01/01/2024