sábado, 23 de dezembro de 2023

Crime abraço dos meus lábios

 

Abraço-te e mato-te com beijos

Desenhados

E mato-te

Com beijos escritos

 

Com as minhas mãos

Retalho o teu corpo em minúsculos pedacinhos

Escrevo neles

E guardo-os nos meus lábios

 

Abraço-te e mato-te

Com os meus beijos

Abraço-te e mato-te logo que acorda a manhã

Ou quando a noite

Brinca no teu púbis

Abraço-te e mato-te

Com os meus beijos

E com o medo de perder cada pedacinho do teu corpo

Sento-me nesta cadeira e esqueço-me que te abracei e matei com os meus beijos

 

Abraço-te

Em seguida

Mato-te

Com os meus beijos

Com os meus lábios

Quando percorrem os sonolentos sombreados do teu corpo

E sinto o mar no teu clitóris

 

Ergue-se Deus na alvorada

E Deus percebe que há uma lâmina de sémen poisada na madrugada

E deus percebe

Que te abracei

E Deus percebe

Que te matei

Com os meus beijos

Com as minhas palavras

 

Abraço-te

Mato-te

 

Com os meus beijos

 

Se a lua fosse cinzenta

Se o mar fosse uma canção

Ou um pequeno poema

Se eu fosse Lúcio

Se eu fosse qualquer coisa diferente de não ser nada

Se te abraço e mato

Como poderei sobreviver nesta selva

Ou nesta sanzala?

 

Abraço-te e mato-te

Coisa pouca

Aos poucos

Com as minhas palavras

E com as lágrimas desta fogueira

 

Eu te abraço

E eu te mato.

 

 

23/12/2023

Algum dia

 

Se algum dia te abraçar

Se algum dia

Eu

Se algum dia eu te beijar

Qualquer

Que seja o dia

Com poesia

Que seja o dia

Com os segredos do mar

 

Se algum dia eu tocar

No teu cabelo de vento

Quendo nos teus lábios de mel

O sofrimento

É uma pobre folha de papel

 

Se algum dia

Eu

Se algum dia eu te deixar de amar

Que seja no dia

Que não consiga

Mais ver nos teus olhos

O mar

No dia em que eu te abraçar.

 

 

23/12/2023

Meia-noite

 

É meia-noite na minha cabeça

Posou dia-e-meio no teu corpo

E pergunto ao meu relógio de pulso

Se me atiro da ponte

Ou se entro mar adentro

É meia-noite na minha cabeça

O tempo está agradável

Temperatura amena

Na minha cabeça

É meia-noite em mim

E passaram trinta dias no teu sorriso

E eu não sei se a corda que trago ao pescoço

Me vai servir para voar

Ou olhar

Os trinta e cinco dias do teu luar

É meia-noite

Abro a janela do meu pensamento

Três dias faltam

Para a outra meia-noite da minha cabeça

E para teres outro dia-e-meio na tua mão

 

É meia-noite na minha cabeça

Do outro lado da rua

Faltam dois dias para a morte anunciada

Da meia-noite

Que assombra a minha cabeça

Em cada madrugada

 

 

23/12/2023

Medo de querer

 

Quero-te tanto

Que tenho medo de te querer

Que tenho medo de te ter

Quero-te tanto

Mas os teus olhos não me querem ver

Tão pouco me escrever

Tão pouco…

 

 

23/12/2023

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Natal

 

É quase Natal

Querida mãe

É quase Natal e recordo

O teu rosto de tristeza

Quando me davas o teu presente

E eu

Quase não lhe ligava

Ficavas triste

Tinhas ciúmes do pai

Porque apenas com um livro de mil escudos

Conseguia fazer do filho o homem mais feliz do Universo

Enquanto tu

Com roupa de quase vinte contos

Qual feliz

Quero lá eu saber da roupa

E as lágrimas incendiavam o teu cabelo

 

É quase Natal

Querida mãe

E o teu menino jesus

Está de castigo

Dentro de uma caixa

Talvez

Para toda a vida

 

É quase Natal

Querida mãe

E cada livro que o pai me deu

Escrevi nele

Uma dedicatória secreta

E quando sinto saudades

Leio-as

Todas

De todos os Natais

E de todos os meus aniversários

Quanto á tua roupa

Onde andará ela

 

É quase Natal

Querida mãe

E estou de guarda à biblioteca

Não vá aparecer o pai

Como fazia em todos os Natais

Como fazia em todos os meus aniversários

Entrava lá

Em silêncio

E procurava um autor

Ou um título

Para verificar se eu o tinha

E se não o tivesse

Comprava-o

 

Como vês

Querida mãe

É quase Natal

E hoje talvez ainda sintas ciúmes do pai

Talvez

Porque é quase Natal

Querida mãe

E das janelas de nossa casa

Já não se vê o mar.

 

 

22/12/2023

Sexta-feira

 

A pilinha do menino

Da Senhora Anunciação

Está de luto

Na companhia de sua mão

Que bruto

Graças a Deus misericordioso

O dia acordou

O dia nasceu

Não morreu

E verificou

Que o menino

Tinha ar de jeitoso

 

Que o menino

Não passava de um assassino

E diplomado

E pensava

Como acordar a pilinha deste pobre menino

 

A mão

Aos pouquinhos

Morreu

E o menino então

Pegou nos porquinhos

E subiu ao Céu

 

A pilinha do menino

Da Senhora Anunciação

Está de luto

Pois claro madame das montanhas adocicadas

Coitada da pilinha em sua mão

Triste e cansada das alvoradas

Neste nobre vulto

Deste menino tão culto

E puro

E filho da puta às sextas-feiras.

 

22/12/2023

Idália

 

Idália descalçada

Na calçada de viver

Idália enamorada

No dia de sofrer

 

Quando o dia

É um punhado de nenúfares envenenados

Idália não gosta de poesia

E tão pouco gosta de gatos assanhados

 

Idália é foda (cordeiro assado)

Na mesa de comer

Que agora é moda

 

Idália é fome

E palavras de escrever

Nas mãos daqueles que não têm nome

 

 

22/12/2023