O abismo. A sombra milionária de um pobre mendigo
Escondido dentro de uma nuvem de prata, o quase engenheiro mecânico, coitado
Parece uma ventoinha caçando borboletas junto ao mar,
Se ele tivesse um livro escondido na algibeira, o vento sou eu, disfarçado
De lâmina de barbear. Detesto desfazer a barba, e tanta coisa que eu detesto,
Que até fico sem graça.
O abismo. Pedra preciosa que adorna o meu corpo, engraçado é o sol passeando sobre o rio,
Pobre sou, pobre e invisível
No triste silêncio de uma mão sobre a mesa. Os objectos movem-se a uma velocidade constante,
A magreza do corpo, apenas pincelada numa palavra
Tão distante da luz, e tão perto dos meus olhos.
No abismo me encontro, e de todas as janelas do abismo, apenas uma é possível abrir, apenas uma
E tenho cem janela para verificar.
O abismo pintado de azul. No tecto da alcofa a minha mãe tinha desenhado
O mar. E eu de barriguinha para o ar…
Olhava
Sem me cansar,
O mar.
Mil coisas desgraçadas à procura de um sorriso, na ânsia de uma calçada, que não desagúe no mar,
Sento-me, posso?
E porquê?
Se deus é assim tão perfeito, tão esbelto como a primeira luz da noite, porque não é deus
Uma flor travestida
De dor,
De lágrima.
E o abismo está cá, e o abismo
É uma coisa tão bela,
Tão bela…
Como belo,
É o abismo do meu corpo,
Escondido em dois pedaços de pão.
O abismo adora-me, persegue-me
E perseguirá até à morte,
Até ao dia em frente ao mar
Na baía de Luanda.
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