sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Abismo

O abismo. A sombra milionária de um pobre mendigo

Escondido dentro de uma nuvem de prata, o quase engenheiro mecânico, coitado

Parece uma ventoinha caçando borboletas junto ao mar,

Se ele tivesse um livro escondido na algibeira, o vento sou eu, disfarçado

De lâmina de barbear. Detesto desfazer a barba, e tanta coisa que eu detesto,

Que até fico sem graça.


O abismo. Pedra preciosa que adorna o meu corpo, engraçado é o sol passeando sobre o rio,

Pobre sou, pobre e invisível

No triste silêncio de uma mão sobre a mesa. Os objectos movem-se a uma velocidade constante, 

A magreza do corpo, apenas pincelada numa palavra

Tão distante da luz, e tão perto dos meus olhos.

No abismo me encontro, e de todas as janelas do abismo, apenas uma é possível abrir, apenas uma

E tenho cem janela para verificar.


O abismo pintado de azul. No tecto da alcofa a minha mãe tinha desenhado

O mar. E eu de barriguinha para o ar…

Olhava

Sem me cansar,

O mar.

Mil coisas desgraçadas à procura de um sorriso, na ânsia de uma calçada, que não desagúe no mar,

Sento-me, posso?

E porquê?

Se deus é assim tão perfeito, tão esbelto como a primeira luz da noite, porque não é deus

Uma flor travestida

De dor,

De lágrima.


E o abismo está cá, e o abismo

É uma coisa tão bela,

Tão bela…

Como belo,

É o abismo do meu corpo,

Escondido em dois pedaços de pão.

O abismo adora-me, persegue-me

E perseguirá até à morte,

Até ao dia em frente ao mar

Na baía de Luanda. 


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