sábado, 28 de setembro de 2024

A porta de acesso ao sótão

 

A porta de acesso ao sótão

encerrada nos umbrais da madrugada

uma gaja nua

uma gaja nua brinca com um triciclo de madeira

num quintal inventado em Luanda

as mangueiras incham no silêncio das nuvens de algodão

e um líquido espesso cai sobre os gemidos imaginários da tarde

a gaja nua desenha sorrisos no espelho do sótão

 

(este gajo, eu, é completamente louco)

 

a porta

encerrada

com os gonzos soldados aos gemidos das noites de orvalho

e as dores de coluna das escadas de madeira

o reumatismo de sempre

os malditos bicos de papagaio

 

(este gajo)

 

a gaja nua escreve versos nas paredes de gesso

com fendas para a solidão do mar

(este gajo, eu, é completamente louco)

de gesso com fendas para a solidão do mar

(fico sem papel e para continuar recorro aos desperdícios

pedaços poisados sobre a secretária de madeira)

e eis que oiço a gaja nua

a dançar sobre a secretária de madeira

com pernas de marfim

e dentes de aço

e lábios de cereja

 

percebo que a realidade

aparece

desaparece

e esconde-se na algibeira da Primavera

 

encerrada

a pocilga sem número de polícia

com escadas e uma gaja nua

que dançam sobre a secretária de madeira lapidada.

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