sexta-feira, 19 de abril de 2024

Saberia eu, fingir tão bem?

Dissecar este copo de uísque, autopsiar cada uma das três pedras de gelo, olhar para a janela acreditando que está lá alguém, mas de acreditar ninguém vive, e ninguém está na janela

Desligo a música, e já não oiço o aparelho de oxigénio que desenhava alguma alegria no sorriso da minha mãe

Não há muitos meses, desligava a música e ouvia-o

Pum, pum pum

Às vezes mal ouvia o

Pum, pum pum

Erguia-me loucamente e quando chegava junto a ela, respirava docemente

Tinha sido falso alarme

 

Lamento-me da minha miséria, do amor, desamor…

E pergunto-me; e se eu tivesse cancro?

Fingiria tão bem como fingiu o meu pai e como fingiu a minha mãe?

Eu sabia que o meu pai ia morrer

O meu sabia que ia morrer

Eu fingia ao meu pai que todos os pássaros são lindos, quando alguns são ranhosos

E o meu pai fingia que era o homem mais feliz do universo

Quando estava sentado ao seu lado

Eu contava os minutos que faltavam para ele começar a voar

E ele

Ele despieda-se nos meus olhos, desenhando um fino sorriso…

Saberia eu, fingir tão bem?

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