terça-feira, 9 de abril de 2024

Poço das estórias

O corpo é uma voz que habita dentro do poço das estórias

são memórias, são espinhos que no coração de uma pedra

brincam, e morrem

como pássaros ao meio-dia.

O corpo ergue-se veloz

até ao céu até à

morte

que brevemente vem. O corpo tomba na sifilítica tarde mais parecendo um amontoado de cortinados,

desgovernados em direcção ao meu caixão; sou agora feliz porque estou morto. Amo e sou amado!

 

O corpo é um arado, é uma enxada que se crava na rocha, e ilumina o sol de púrpura maçã embriagada pela insónia. O corpo suga a água do rio, assobia

como pássaros à procura de sexo, à procura de confusão

no meio da rua, no centro da cidade, pertinho da lua.

 

O corpo é voz quebrada, que dentro do poço das estórias escreve os primeiros capítulos da infância: escuta, tenho aqui dois pedacinhos de chocolate para ti!

O corpo sofre. O corpo voa. O corpo nada sabe de poesia, de literatura ou de amar ou de chorar

o corpo emagrece,

e fica fino como um fio.

e fica furioso como um rio

Com lágrimas de pôr-do-sol…

E se ele acordar,

digam-lhe que o corpo é uma lápide de vergonha,

é um barco na eira,

o corpo é a luz daquela triste ribeira

que um dia vai dormir ao mar.

 

(Francisco)

Sem comentários:

Enviar um comentário