sábado, 20 de abril de 2024

O xisto poema

Tínhamos nas mãos dois doces pedacinhos de poesia

migalharias suaves ao mestre dos livros emagrecidos

vadios pássaros teus olhos planetários

tínhamos nas veias

o incenso clandestino de uma abelha

em mel banho-maria,

 

Tínhamos o sonho

e a saudade

tínhamos os rolamentos com esferas de aço

quando brincávamos nos finais de tarde,

 

Tínhamos o amor sensível à luz das palavras silvestres

como faziam as flores

sobre a cama relvada do silêncio jardim

tínhamos as vertigens dos mamilos desgovernados

debaixo da água do rio

ao longe brincávamos

e eu disfarçava-me de socalco

e tu

de xisto poema

tínhamos uma ardósia onde escrevíamos

os segredos minguados dos teus lábios siderais

e eu,

 

Tínhamos corpos de cigarros deitados nas nossas mãos de linho

estava vento

éramos a noite que um isqueiro de prata incendiava

nas planícies ágeis dos anéis de aço

e inventávamos o desejo

como quem escreve na areia antes de regressar o mar

tínhamos corpos de sémen nas algibeiras da sentinela morte

que o teu suicídio lavou em águas profundas,

 

Tínhamos o sorriso de um louco

que transversalmente dormia nas iscas de fígado

e na sopa de feijão

da cerveja

havia vodka que silenciava as amêndoas de luz

e tínhamos no peito

árvores cansadas de respirar

que o sabor da insónia nos roubou...

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