Mulher, árvore obscena sobre o doce lunar marítimo, pássaro envergonhado,
Mulher, vida suspensa
numa madrugada, um relógio de insónia sofre na ânsia sonífera tristeza, depois
Atravessa a parede da
noite,
E abraça-se ao silêncio
oiro que o sol semeia sobre a seara.
Mulher que voas no aço
pedestre de uma tarde acorrentada ao mar,
Mulher que se despe e se
senta sobre a mesa da saudade, mulher, árvore que incendeia a noite e traz de
longe o beijo.
Mulher que adivinha que
outra mulher se esconde na alvorada, mulher desejada e mesmo assim, é mulher,
mulher amada
Mulher pouco no muito
destino de uma lua de sono, e mesmo assim, mulher que crava na noite a espada
do poder, míngua assaz debilidade de um jardim arvoredo simples no mesmo homem
de sempre,
Mulher é árvore, é pássaro
em papel, mulher tem corpo de poema, e tem na vagina o recomeço do dia.
Mulher, se Deus quiser,
será sempre Primavera, terá nas mãos as andorinhas e sempre, sempre pertencerá
aos horrores frios suores de uma noite de ressaca,
O corpo range, saltam
todas as molas e parafusos e anilhas e tudo, tudo desaparece aos olhos de uma
mulher,
Mulher que arde, mulher
que ateia as primeiras lágrimas da manhã na confusão do dia, o oiro nobre
cigarro, inventam-se pedacinhos de areia nas engrenagens do desejo,
E ela em cio,
Uiva sonolenta como uma
mulher em desejo.
Mulher, árvore que sabe
ler e escrever e que brinca no parque infantil, nem tudo é perfeito, no prazer
de ser mulher,
Ter e não ser. Quando após
o banho, ela, que é mulher, ergue-se e esconde-se na zona escura da lua.
Uma árvore é perfeita.
Uma lágrima que se veste
de mulher, mulher, espancada por frases amordaçadas na covardia da tarde,
mulher tem lágrimas, mulher tem sombras esbranquiçadas nas mãos,
Parecem flores,
Nos lábios de mulher.
Mulher, se o és, diz-me o
nome desta rua, diz-me o nome desta cidade, mulher que leva pancada por um
pedaço de nojo, às vezes, apenas porque está cansada…
Mulher, árvore, milagre
da natureza, se Deus quiser será amanhã o coroação do poema depois de ter sido
despedido pela infanta casaria…
Milagre; mulher.
Mulher.
Veneno se me engana
podendo depois deitar-me sobre o silêncio. Mordem-me as asas que me impingiram em
criança, e uma mulher aparece na vidraça que todas as noites
Olha as profundezas do
mar. E se Deus fosse, mulher?
Mulher, mulher vaiada às
vezes, outras, milagre. Mulher, água mimada, água pura vergonha que se opõe ao
primeiro poema da manhã.
Mulher que não sou,
mulher que podia ser, entre os parêntesis que aprisionam a madrugada.
Santa-mulher,
Mulher que ama, mulher,
árvore, corrida de criança antes que se despeça a noite de nós
Mulher, cigarro que arde
nos lábios, e o pôr-do-sol regressa do invisível.
Mulher, sábado se a
Primavera aparecer,
Se um dia o for,
viveremos adormecidos no primeiro Inverno da aldeia.
Parece que eu não sei
quem sou, se é a mulher que escreve dentro do meu peito, ou se é o poeta que
desenha no meu braço,
Mulher, árvore, o cuco
cantou hoje ouvi-o, laranja
Mulher!
(Francisco Luís Fontinha –
04/04/2023)
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