sexta-feira, 5 de abril de 2024

Mulher

Mulher, árvore obscena sobre o doce lunar marítimo, pássaro envergonhado,

Mulher, vida suspensa numa madrugada, um relógio de insónia sofre na ânsia sonífera tristeza, depois

Atravessa a parede da noite,

E abraça-se ao silêncio oiro que o sol semeia sobre a seara.

 

Mulher que voas no aço pedestre de uma tarde acorrentada ao mar,

Mulher que se despe e se senta sobre a mesa da saudade, mulher, árvore que incendeia a noite e traz de longe o beijo.

 

Mulher que adivinha que outra mulher se esconde na alvorada, mulher desejada e mesmo assim, é mulher, mulher amada

Mulher pouco no muito destino de uma lua de sono, e mesmo assim, mulher que crava na noite a espada do poder, míngua assaz debilidade de um jardim arvoredo simples no mesmo homem de sempre,

Mulher é árvore, é pássaro em papel, mulher tem corpo de poema, e tem na vagina o recomeço do dia.

 

Mulher, se Deus quiser, será sempre Primavera, terá nas mãos as andorinhas e sempre, sempre pertencerá aos horrores frios suores de uma noite de ressaca,

O corpo range, saltam todas as molas e parafusos e anilhas e tudo, tudo desaparece aos olhos de uma mulher,

Mulher que arde, mulher que ateia as primeiras lágrimas da manhã na confusão do dia, o oiro nobre cigarro, inventam-se pedacinhos de areia nas engrenagens do desejo,

E ela em cio,

Uiva sonolenta como uma mulher em desejo.

 

Mulher, árvore que sabe ler e escrever e que brinca no parque infantil, nem tudo é perfeito, no prazer de ser mulher,

Ter e não ser. Quando após o banho, ela, que é mulher, ergue-se e esconde-se na zona escura da lua.

Uma árvore é perfeita.

Uma lágrima que se veste de mulher, mulher, espancada por frases amordaçadas na covardia da tarde, mulher tem lágrimas, mulher tem sombras esbranquiçadas nas mãos,

Parecem flores,

Nos lábios de mulher.

 

Mulher, se o és, diz-me o nome desta rua, diz-me o nome desta cidade, mulher que leva pancada por um pedaço de nojo, às vezes, apenas porque está cansada…

Mulher, árvore, milagre da natureza, se Deus quiser será amanhã o coroação do poema depois de ter sido despedido pela infanta casaria…

Milagre; mulher.

 

Mulher.

Veneno se me engana podendo depois deitar-me sobre o silêncio. Mordem-me as asas que me impingiram em criança, e uma mulher aparece na vidraça que todas as noites

Olha as profundezas do mar. E se Deus fosse, mulher?

Mulher, mulher vaiada às vezes, outras, milagre. Mulher, água mimada, água pura vergonha que se opõe ao primeiro poema da manhã.

 

Mulher que não sou, mulher que podia ser, entre os parêntesis que aprisionam a madrugada.

Santa-mulher,

Mulher que ama, mulher, árvore, corrida de criança antes que se despeça a noite de nós

Mulher, cigarro que arde nos lábios, e o pôr-do-sol regressa do invisível.

 

Mulher, sábado se a Primavera aparecer,

Se um dia o for, viveremos adormecidos no primeiro Inverno da aldeia.

Parece que eu não sei quem sou, se é a mulher que escreve dentro do meu peito, ou se é o poeta que desenha no meu braço,

Mulher, árvore, o cuco cantou hoje ouvi-o, laranja

Mulher!

 

 

(Francisco Luís Fontinha – 04/04/2023)

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