O céu é veneno

 

O céu está embriagado, e nenhuma graça a estas flores, quando este incêndio de nenúfares se automutila na escuridão da noite.

Os pássaros parecem barcos, parecem invisíveis cansaços que só a noite sabe construir no silêncio de um abraço, acredito,

 

Renováveis, invendíveis madrugadas nas mãos de um corço desenganado pelo médico oncológico; coitado, dele.

Coitada da morte, quando não escolhe idade e mesmo assim, tem que escolher.

Fuma, defuma-se, ergue-se e contorce-se diante do espelho, emagrece aos poucos e corre como um fio. Na algibeira, não tem dinheiro, apenas um isqueiro para incendiar a tristeza e a melancolia e o dia, e um pedaço de rio.

 

Azafama cânfora manhã coitada e embriagada, faz-se à estrada, não tem eira nem beira, não tem gasolina, e também não tem cafeína e também não tem nada…, mas tem um olhar que a olha todas as manhãs e a todos os começos de tarde,

É tão longe o Algarve.

Já é tão aqui tarde…

Lavra a terra se queres comer

E escrever.

 

É tão triste a cidade.

Tantas flores pelas ruas iluminando o relógio pontual do acordar, depois despe-se, e senta-se sobre a pedra virada para o rio,

É triste, ele. Apenas um isqueiro de nome…

Apenas flores de papel espalhadas pelo vento.

O céu é veneno

E é fome.

 

É miséria disfarçada de fim-de-semana, é um pedaço de vidro, coisa pouca, quando desce a noite sobre a tua cama,

Madrugada; a cama é uma lareira onde arde a insónia,

Noite a pequena quando esconde na mão um crisântemo envergonhado.

 

O céu é verde, o céu está embriagado, e nenhuma graça a estas flores, no entanto,

Se perder o único bem precioso da minha algibeira, o meu isqueiro, não tenho como incendiar a tristeza e a melancolia e o dia.

Tão pouco com este céu tenho como assassinar um punhado de poesia que tenho sobre a secretária, junto aos cachimbos; a morte.

 

O céu é veneno, é a saliva do trigésimo andar do edifício voltado para o mar, ao longe, os barcos de regresso ao céu verde, ao céu embriagado, ao céu dos meus olhos,

Pelo menos um deles é esverdeado,

Quanto ao outro,

 

Ausentado

Escuro

Quase negro.

 

 

20/02/2024