terça-feira, fevereiro 27, 2024

Estes socalcos

 

A estes socalcos de sono que a manhã engole

porquê

este rio com braços de vidro

que esgravatam a terra semeada de palavras

a estes socalcos

porquê

este rio visionário à procura de tristeza em flor

e de alegria em pequenos chuviscos de prata

 

A estes silêncios os socalcos imaginados por uma abelha

o doce mel que envenena a mão da solidão

as estrelas que se escondem na virgem floresta da tua boca

os socalcos que são tristes

porquê

este rio fatalista e perdido na escuridão do pesadelo

 

A estes socalcos que me trazem às veias o sangue poético da madrugada

quando a madrugada é uma pirâmide de meninice

à volta de uma fogueira de pequenos sonhos

e muitos nadas

marés de aço suspensas na asna do primeiro beijo ao acordar

mar que incendeia os lábios

e planta

sobre o mar a sonolência

 

São estes socalcos que os meus olhos esculpem na ardósia desta minha ausência

nestes socalcos de viver

destes socalcos de sofrer

encurralados na esperança de um simples olhar

porquê

os socalcos são os sonhos da videira

que têm nas folhas os guizos das cabras

e das ovelhas transparentes do primeiro dia de aulas

 

A estes socalcos me despeço como se eu fosse embarcar neste petroleiro que tem nos olhos a mingua lua

e tem nos lábios o sulfito cansaço deste porto de mar abandonado

são estes socalcos com cabelo de sémen

com lágrimas de vento

porquê

se afastam da minha sombra

 

 

27/02/2024

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