quarta-feira, fevereiro 21, 2024

A jangada de vidro

 

Uma jangada de vidro masturba-se no espelho da infidelidade, tem uma rosa nos lábios e tem a ausência nas mãos,

Tem no cabelo uma pedra,

Tem dentro da pedra, um pedaço de insónia,

Há em todas as noites uma vírgula que se esquece de acordar,

Quando o ponto final mergulha no mar,

E do texto escrito, eis as tristezas do luar.

 

Não tem memória, este tolo melancólico e poeta que vagueia por aí…

Este poeta que não é poeta

Que é tolo,

Este poeta tolo que sendo quase humano, não é humano; é constituído por água mineral, ácido acetilsalicílico e uma mão cheia de pequenas ninharias,

Coisa pouca para um poeta,

Homem e bom pai.

 

Uma jangada de vidro prisioneira no canto da noite enquanto se ouvem os migrantes gemidos do prazer,

Que só os pássaros conseguem perceber,

Quando a noite é una, é marginal, demais cansada para viver…

Quando a alma foge para a montanha.

Regressa?

Não apareças mais neste fétido quarto de prostituta abandonada,

Quando a cidade também ela é uma prostituta mal comportada, desobediente.

Às vezes sou um rio

 

Que corre nos teus seios minguados de água fresca,

Às vezes também sou uma jangada,

Outras

Sou um livro revoltado com a poesia.

 

Às vezes sou um pássaro que pede perdão à Primavera,

E também sou o mesmo gajo que assassina o Inverno quando brincam as mangueiras junto ao capim,

E sou gaivota

 

Sobre a jangada de vidro. Alguém teima em apedrejar-me, mas as pedras que me lançam são de cartão,

Inofensivas, para o meu corpo,

 

Mortais para o coração

Porque têm palavras escritas.

 

Vai jangada, quebra-te nesses rochedos emancipados e de maior idade, e de olhos verdes,

Quebra-te como se quebram a paixão e o desejo, no entanto, estes quebram-se contra o clítoris da noite,

E desfazem-se em lágrimas de crocodilo.

 

O sol é vaidoso.

O sol é o combustível que alimenta, dia e noite, as cartas de amor,

O sol às vezes também é uma jangada,

Também é mão, também é madrugada, também é a saudade…

E também é impostor.

O sol é vigarista, é indiferente à dor alheia e individualista, como sempre, depois da meia-noite.

Nunca tive um sol,

 

Para apedrejar a insónia.

 

 

21/02/2024

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