domingo, 31 de dezembro de 2023

Que seja

 

Procuro na tua boca as primeiras lágrimas da manhã, e que seja

A manhã de um novo amanhã.

Que seja o último poema. Que seja.

E que sejam as minhas últimas palavras, escritas

Ditas.

E que sejam.

Procuro os teus lábios neste incêndio de madrugadas, procuro os teus olhos, neste inferno de viver,

Vivendo que seja,

Que seja amanhã o dia sem noite,

Que seja a embriaguez

Que seja

Dentro desta aflição.

 

Que seja este copo de uísque o meu último veneno

Que seja

Que morra esta noite.

Que seja a solidão o meu último abraço,

Que seja.

Que seja a limonada

A minha última refeição,

Que seja.

 

Que seja o grito,

Que seja.

Que seja a tua boca uma sílaba,

Que seja,

Bem que seja,

Antes que o meu corpo seja merda, palha, ramos de árvore.

 

Que seja o vómito a tua alegria,

Que seja,

Que nada seja,

Quando tudo quer ser.

Que seja noite, sempre noite, mais uma noite, assim…

Que seja.

Que sejam os chifres do carneiro,

Que sejam,

Quando o poema morre de aflição, morre de tesão, que seja a morte o meu último desejo,

De te ver,

E que seja,

Antes de partir a madrugada.

 

Que eu seja.

Que seja Inverno nestes cubos de gelo,

E que seja,

Amanhecer sem razão,

Grito, que seja espasmo, que seja razão sem vida numa outra vida, que seja

Aldrabão, que seja.

Que seja Deus, que seja Cristo, que seja.

Que seja este parvalhão com a cruz às costas, que seja,

Enquanto eu,

Prefiro ser,

Levar-te nos braços e beijar-te e amar-te…

Que seja.

 

Que seja a tua boca silêncio, a voz, a rasura rasurada nos teus lábios.

Que seja.

Que seja ontem, que seja.

E hoje, também, que seja.

Que seja esta merda dentro desta merda…. E do outro que seja.

Que seja amanhã, que seja.

 

Procuro na tua boca as primeiras lágrimas da manhã, e que seja

A manhã de um novo amanhã.

Que seja o último poema. Que seja.

 

Que seja.

 

 

31/12/2023

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