quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Os calções do poeta

 

Em criança tinha uns calções

Apressadamente

Vendi-os por uns míseros tostões

E um prato de rojões

Apressadamente

Vendi-os sem perceber porque estes calções

Tinham gravado o meu nome

O poeta apátrida

Que quando tem fome

Come poesia

E o que não devia

E não sabia e ficou a saber

Que o seu nome

Numa agonia

De escrever

Pertencia às marés

 

E não pertencia

O poeta dos calções

Os calções do poeta

Não sabendo o poeta porque as pedras amam

E choram

E cagam

Como todo o homem

Como toda a mulher

Não sabia

E ficou a saber

Que dentro dos seus calções

Existiam quatro moedas pretas

Uma colher

E uma lâmpada-farol que ele utilizava

Quando caminhava

Dentro do mar

 

Em criança tinha uns calções

E os meus calções tinham um nome

Tinham a minha idade

Estampada no estômago

Às vezes tinham fome

E outras vezes tinham um nome

 

Em poeta tinha uns calções

Em criança palavra

No amar desejo prometido

Sem saliva

Sem mar

Em poiso sofrido

Em maré de Margarido

 

Em poeta tinha uns calções

Tinha uns calções com palavras

Com números medicamente apaixonados

A saudade

Tem uns calções

No poeta das madrugadas

Quando tudo está a arder

E os calções do poeta com calções

São estes braços cansados

 

 

06/12/2023

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