Ninguém quer poetas
E no entanto
Se todos os poemas se
revoltassem
O homem fugia com o
rabinho entre as pernas
E escondia-se num poço de
merda
Não acreditam
Imaginem A Tabacaria em revolta
E o senhor Álvaro de
Campos a comer chocolates
Imaginem Voz Numa Pedra
Do senhor Cesariny
Imaginem Horto de
Incêndio
Do senhor AL Berto
Imaginem o caralho
Vocês não caralham nada
Nem imaginam nada
Que podem vossemecês
imaginar
Que as pedras amam de
igual como o homem ama as pedras
E se amam entre elas
Que os meninos fazem cocó
Muito cocó
E no entanto
São tão queridos
Quando não têm cocó
Imaginem
Imaginem porque estou
aqui sentado
Quando descintado podia
andar por aí
À procura de marmorites
E outras pedras de adorno
E outras pedras e afins
Mas vossemecês não
conseguem imaginar
Imaginar um poeta
Sentado na sanita
A cagar
Imaginem duas pedras a
escrever o amor
Na pele uma da outra
Elas amam-se
E odeiam-se
Mas desejam-se as duas
Quando o poeta abra a
janela
Vê o mar
E mija…
Fingindo que está a fumar
E elas
Fingem que fingem o
orgasmo da manhã
Quando o orvalho da manhã
Também finge
Finge que lê poesia no
café
Imaginem um louco poeta
Um pequeno poeta
De abas largas
Para tapar o sol da manhã
E ofuscar o teu olhar
Mas vossemecês não conseguem
imaginar
Vossemecês nem sabem o
nome deste mar
Enterra
O do clitóris
Cleópatra e seu amante
Se o tinha
Se não o tinha
Tivesse-o
Mas vossemecês não sabem
Não sabem o que é ser
poeta
Poeta mendigo
Ser poeta ser louco e ser
mendigo
Desde que acorda
Até ao pôr-do-sol
E o resto do dia
Que se foda
Imaginem a lareira a ejacular
palavras
Em vez de poemas
Em vez de lume
Do ciúme
Que há quem o tenha
Que Deus o acompanhe
Depois de nascer o sol
Imaginem o poeta
O triste do poeta
A vender poemas á porta
do café
A imaginar cigarros
À porta do café
A engraxar sapatos
À porta do café
Claro que vossemecês não
conseguem imaginar
Tão pouco o pão do diabo
Tão pouco
Imaginar
A paixão do poeta
Sem-abrigo e mendigo e
filho da puta
Para uns
Para os outros
Nada
Imaginar
Imaginem
Imaginem duas loucas
Sobre os lençóis do
desejo
Desenhando passarinhos na
alcofa do prazer
Claro
Claro que vossemecês não conseguem
imaginar
Tão pouco acreditar
Que o poeta
É louco
Que o poeta é miserável
Que o poeta
Ama
Fode
E come
Torradas ao pequeno-almoço
Conseguem
Conseguem vossemecês
Imaginar?
03/11/2023
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