domingo, 3 de dezembro de 2023

Imagina meu amor

 

Ninguém quer poetas

E no entanto

Se todos os poemas se revoltassem

O homem fugia com o rabinho entre as pernas

E escondia-se num poço de merda

Não acreditam

Imaginem A Tabacaria em revolta

E o senhor Álvaro de Campos a comer chocolates

Imaginem Voz Numa Pedra

Do senhor Cesariny

Imaginem Horto de Incêndio

Do senhor AL Berto

Imaginem o caralho

Vocês não caralham nada

Nem imaginam nada

Que podem vossemecês imaginar

Que as pedras amam de igual como o homem ama as pedras

E se amam entre elas

Que os meninos fazem cocó

Muito cocó

E no entanto

São tão queridos

Quando não têm cocó

Imaginem

 

Imaginem porque estou aqui sentado

Quando descintado podia andar por aí

À procura de marmorites

E outras pedras de adorno

E outras pedras e afins

Mas vossemecês não conseguem imaginar

Imaginar um poeta

Sentado na sanita

A cagar

Imaginem duas pedras a escrever o amor

Na pele uma da outra

Elas amam-se

E odeiam-se

Mas desejam-se as duas

Quando o poeta abra a janela

Vê o mar

E mija…

Fingindo que está a fumar

E elas

Fingem que fingem o orgasmo da manhã

Quando o orvalho da manhã

Também finge

Finge que lê poesia no café

 

Imaginem um louco poeta

Um pequeno poeta

De abas largas

Para tapar o sol da manhã

E ofuscar o teu olhar

Mas vossemecês não conseguem imaginar

Vossemecês nem sabem o nome deste mar

 

Enterra

O do clitóris

Cleópatra e seu amante

Se o tinha

Se não o tinha

Tivesse-o

Mas vossemecês não sabem

Não sabem o que é ser poeta

Poeta mendigo

Ser poeta ser louco e ser mendigo

Desde que acorda

Até ao pôr-do-sol

E o resto do dia

Que se foda

 

Imaginem a lareira a ejacular palavras

Em vez de poemas

Em vez de lume

Do ciúme

Que há quem o tenha

Que Deus o acompanhe

Depois de nascer o sol

 

Imaginem o poeta

O triste do poeta

A vender poemas á porta do café

A imaginar cigarros

À porta do café

A engraxar sapatos

À porta do café

Claro que vossemecês não conseguem imaginar

Tão pouco o pão do diabo

Tão pouco

Imaginar

A paixão do poeta

Sem-abrigo e mendigo e filho da puta

Para uns

Para os outros

Nada

Imaginar

 

Imaginem

Imaginem duas loucas

Sobre os lençóis do desejo

Desenhando passarinhos na alcofa do prazer

Claro

Claro que vossemecês não conseguem imaginar

 

Tão pouco acreditar

Que o poeta

É louco

Que o poeta é miserável

Que o poeta

Ama

Fode

E come

Torradas ao pequeno-almoço

 

Conseguem

Conseguem vossemecês

Imaginar?

 

 

 

03/11/2023

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