segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O desejo é uma equação de sono

 

O desejo é uma equação de sono, é um silêncio esquecido na almofada, é poema vandalizado pela solidão, o desejo costuma viajar em primeira classe, é pertença do Universo; desejar e, ser desejado.

O desejo sente-se, apalpa-se como um seio seminu dançando sobre o mar, o desejo escreve-se, ergue-se cedo, o desejo suicida-se, por vezes, num leito adormecido, o desejo percebe as sombras nocturnas de um outro desejo, o desejo é desejar, é correr, é amar, o desejo espelha-se na madrugada, vai à janela e, fuma o seu primeiro cigarro.

O desejo é livro de poesia, é mulher sentada, de perna cruzada, o desejo pinta-se, o desejo afoga-se, às vezes, na boca de um beijo. O desejo é maldito, o desejo é sacerdote, é religião, é engenheiro, é poeta, o desejo vê-se quando chove, porque os pássaros também são o desejo; o desejo de voar.

O desejo sobe a montanha, procura o primeiro abrigo e, deita-se. Fuma o primeiro charro, escreve no chão o poema envenenado que ficou em cima da mesinha-de-cabeceira, era ontem, hoje, hoje não desejo

Desejar que ele ou ela o deseje.

Ouvem-se as manhãs embalsamadas junto ao rio, os barcos veleiros procuram o desejo, o vento que os leve para a cama do desejo, há canções de revolta, há silêncios presidiários nas mãos do desejado e, as coxas fluem como brasas suspensas na fogueira, há um pequeno gemido, um pequeno latido e,

O mar entra dentro dela, absorve-a, come-a.

E de tantos desejados, há um poema livre, revoltado, há um poema em cada milímetro de espuma do teu corpo, sabendo que o teu corpo desejado, apenas pertence ao teu desejo. Desejas que te desejem; antes de adormecer, três pequenas drageias de sono, dois gramas de uivos, três pilhas e um cobertor,

Há mais desejo, amanhã, porque hoje a noite é de tempestade.

O desejo é uma equação de sono, é um silêncio esquecido na almofada, é poema vandalizado pela solidão, o desejo costuma viajar em primeira classe, é pertença do Universo; desejar e, ser desejado, o desejo é uma pobre canção, melodia da madrugada, o desejo é opção, é palavra cansada, o desejo, às vezes, perde-se no leito da alvorada.

O desejo, sempre que desejado, é uma equação de sono, é pássaro, é flor que voa sobre o chão; sobre o chão desejado.

 

 

 

 

Alijó, 27/12/2021

Francisco Luís Fontinha

Os pássaros

 

Estes velhos pássaros,

Parvos e sós,

Que deambulam dentro de mim,

São palavras, são canções,

São flores do meu jardim.

 

Estes velhos pássaros,

Verdadeiros e, de voar,

São poemas de amar,

São desejo,

São noites de embalar.

 

Estes velhos pássaros,

Companheiros de dormir,

Espingarda de disparar,

Estes velhos pássaros,

São os pássaros com quem eu posso falar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 27/12/2021

domingo, 26 de dezembro de 2021

As palavras de brincar

 

Deste nocturno apaixonado

Que embebeda a paixão,

Habita um corpo camuflado,

Dormindo no chão.

 

Escreve debaixo das amendoeiras,

Enquanto os pássaros brincam no mar,

Pensa que a vida são brincadeiras,

E beijos de beijar.

 

Deste nocturno apaixonado,

Nasce o poema dançar;

E morre o corpo crucificado.

 

Depois, ergue-se a paixão,

Com palavras de brincar,

Com palavras do coração.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26/12/2021

A dança das gaivotas

 

Trazias na boca

As mais belas palavras da madrugada,

Sentia-te em mim, como um poema,

Abandonado na cama,

Dançando na alvorada,

Parecendo louca,

Parecendo nada.

Trazias no olhar,

As tontas sílabas perfumadas,

Parecendo migalhas de amar,

Parecendo almas penadas.

Era uma tarde cansada,

Quando o teu corpo vacilava

Na minha mão;

Eram palavras de nada,

Eram palavras do coração.

Trazias no cabelo a boca que beijava,

Na noite ensonada,

Havia uma gaivota que voava,

Havia uma gaivota que sofria,

Havia o teu corpo que dançava,

Sem perceber que sorria.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26 de Dezembro de 2021

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Natal

 

Sentia-me zonzo com os cheiros

Que brotavam de suas mãos

No Natal.

Hoje, procuro esses cheiros, em vão,

E apenas as fotografias,

Transformam os cheiros em lágrimas.

Lágrimas recheadas pela saudade,

Como sonhos, rabanadas e bolo-rei,

Hoje, o silêncio poisa sobre a mesa,

A mesa é outra, mas faltam algumas fotografias,

Hoje, são poeira,

Canção caminhando no Universo,

Paralelo, cubo, triângulo,

Hoje, acorda a ira,

Como se fosse uma nuvem em papel,

Voando em direcção ao mar.

Nasci pertinho do mar,

Junto à solidão dos macacos,

Havia gladíolos envenenados,

Havia bananeiras em cio,

Como as gaivotas passeando-se sobre a baía.

Sentia-me zonzo com os cheiros

Que brotavam de suas mãos

No Natal,

Tínhamos dentro de nós

O pesadelo de um futuro amaldiçoado,

Não distante,

Mas sempre ausente.

Hoje, olho todas estas fotografias,

São apenas imagens, lugares, pó…

Apenas pó…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/12/2021

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Espelho mar

 

Cinzento azul teu olhar

Entre paredes e janelas,

Cinzento azul espelho mar,

De marés tão belas.

 

Das palavras de escrever

Às almas predicadas,

Nos poemas de sofrer,

Sofrer nas madrugadas.

 

Traz a luz da manhã adormecida,

Traz o crucifixo doirado…

Não tenhas medo da partida,

 

E vai em busca da felicidade.

Pinta a noite de encarnado,

De encarnado sem vaidade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22/12/2021

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Os dias

 

Os dias são tardes perdidas

Nas mandibulas tuas mãos,

Os dias, os dias são margaridas,

Margaridas entre sins e nãos,

Os dias, os dias pertencem às noites esquecidas,

 

Das noites anteriormente perdidas.

Os dias são poesia, música, equação,

Os dias são horas adormecidas,

São palavras, são canção;

Os dias, os dias são todas as coisas permitidas.

 

Os dias são madrugada,

São o corpo na lareira,

Os dias são a alvorada,

Alvorada que brinca na fogueira,

Os dias são a manhã cansada,

 

Antes de acordar o dia; os dias são tristeza,

São garrafas embalsamadas na ribeira,

Os dias têm beleza,

E têm corpo de feiticeira.

Os dias são migalhas sobre a mesa,

 

São flores do meu jardim.

Os dias são tarde perdidas,

São pequenas coisas de mim,

Os dias são cores garridas,

Quando acorda o clarim.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/12/2021

domingo, 19 de dezembro de 2021

Menino traquina

 

Desço o teu corpo

Até encontrar a fina madrugada.

Na tua pele de amanhecer,

Habita a fogueira enamorada,

Das palavras de escrever,

Nas palavras de brincar,

 

Desço o teu corpo

Maré de mar,

Rocha incandescente a arder,

Rocha amorfa que não sabe falar,

Falar sem querer,

Querer que lá longe, lá longe zarpar

 

Para a lua a crescer.

Desço o teu corpo ancorado

Na minha mão desleixada,

Que pertence a este corpo envenenado,

Envenenado pela madrugada,

Desço o teu copo,

 

Até às profundezas do amanhecer,

Cidade assassina,

Cidade a arder;

Onde brinca um menino traquina,

Desço o teu corpo,

Teu corpo de sofrer…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/12/2021

Pequenas estátuas de luz

 

Uma estátua de luz

Suicida-se na cidade das marés envenenadas,

Traz a enxada,

Traz as madrugadas,

Traz as palavras,

 

E traz o falso oiro.

Deste poema,

Sobreviverá a todas as janelas quadradas,

Nas falsas alvoradas,

Nas falsas ribeiras ancoradas.

 

Uma estátua de luz

Que marcha na parada,

Ouve o grito do clarim sobre a ponte…

Corre, corre, corre até ao monte,

Corre… corre até desfalecer,

 

Gritar,

Chorar e gemer.

Aos uivos do teu corpo silenciar,

Gemem as palavras de escrever,

Morrem os pássaros de voar.

 

Uma estátua de luz

Suicida-se na cidade das marés envenenadas,

Correm, correm todos para a praça

Das esplanadas;

Assim seja, tristes madrugadas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/12/2021

sábado, 18 de dezembro de 2021

Cinco segundo de sono

 

Das palavras

À morte,

 

Cinco segundos de sono.

 

 

As tríades flores

Da sepultura sem nome,

Quando da lápide envenenada,

Quase noite,

Acordam as almas penadas.

 

Cinco segundos de sono,

Dançam na neblina madrugada,

Quatro palavras dormem nos braços da paixão,

Abraçam-no desde criança menino,

Até que o choro tomou conta dele.

 

As flores estão murchas,

As palavras, muito cansadas,

Da sua mão,

Quase invisível,

Constroem-se as migalhas nocturnas

 

Do cansaço.

Se bateram à porta,

Não me lembro,

Porque quase ninguém,

Bate à minha porta,

 

Tal como as canções que oiço,

Tal como as palavras que escrevo;

Cinco segundo de sono,

Chegam para desenhar a morte

No muro que circunda a aldeia.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18/12/2021

domingo, 12 de dezembro de 2021

Um dia

 

Um dia

Regressará o sono,

A luz,

E todos seremos apenas imagens,

Poeira,

E pequenos nadas.

 

Um dia

As palavras serão sombras,

E das imagens que eramos,

Seremos novamente, nadas;

Pequenas migalhas de pão,

 

Pedras,

Calçadas de espuma,

Em guerra na cidade,

Um dia seremos apenas chuva,

E pedacinhos de lágrima.

 

Um dia seremos nadas,

Ou outra coisa semelhante,

Um dia seremos geada,

Luz…

Ou fogueira ardente.

 

Um dia seremos nadas,

No outro dia,

Gente.

Um dia seremos pó,

No outro dia, dor, corpo ausente.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/12/2021

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Circunferência hiperbólica

 

Trazias nas mãos a transparente geada.

Sabia que nos teus lábios de amêndoa,

Habitavam as cerejas,

E brincavam os gladíolos adormecidos

Junto à pesadíssima enxada.

 

Escrevia no teu corpo todas as palavras de escrever,

Desenhava em ti todas as Primaveras da minha existência,

Verões cansados, Invernos infinitos,

Escrevia no teu corpo o poema

Das manhãs de viver,

 

Das manhãs de partir.

Planto no meu jardim

A tua sombra adormecida,

Com os teus olhos de luar…

Quando a Lua a fingir

 

Finge que não sabe amar.

Trazias nas mãos a transparente geada,

O grito uivo da madrugada,

Deslizando calçada abaixo,

Até se alicerçar no mar.

 

No mar,

Ela cansada;

Cansada das minhas flores

Sempre a derramarem lágrimas,

Gotículas de suor nas palavras de cantar.

 

E sentava-me a olhar a maré

Fotografando pássaros, paisagens e pequenos nadas.

Coisas simples e com prazer,

Prazer do infinito

No infinito, sem fé.

 

A minha mãe dizia-me; - meu filho, a fé é que nos salva.

E nada salva ninguém,

Nem ninguém pertence a alguém…

Quanto mais salvar…

Que nem ela foi salva.

 

Aprisiono-me a este corredor

Sem janelas físicas,

Inventando sombras nas tristes paredes.

Traços,

Riscos,

E afago algumas pétalas de flor.

 

Escrevo. Escrevo muito sem o saber.

Escrevo palavras em todos os cantos da circunferência hiperbólica

Das noites perdidas;

Escrevo, desenho e pinto,

Coisas que as pessoas me dizem para fazer.

 

Escrevo cartas a um remetente esquecido.

Resolvo equações a quem precisar,

Escrevo muito,

Escrevo junto ao mar,

Nas tuas mãos a transparente geada; nada está perdido.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/12/2021

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A triste geada

 

Quando acorda a madrugada

E poisa docemente no chão

A triste geada;

Levanta a mão

Sobre o amanhecer,

 

Como se fossem silêncios de escrever,

Como se fossem palavras a arder,

No corpo algemado

Ao sombreado

Erguer.

 

Quando acorda a madrugada,

Acreditando,

Tal como eu, na noite encantada,

Da noite amedrontada,

Levantando

 

A mão sobre o amanhecer.

E que me sento sem o saber,

Puxo uma cadeira invisível, depois de puxar um leviano

Cigarro sem asas; oiço a voz rouca do piano

Saltitando na sala procurando o prazer.

 

Talvez o prazer

De ler.

Talvez o medo de viver,

Esta vida das palavras amarguradas,

Esta vida dos livros poeirentos,

 

Talvez das tristes madrugadas,

Acordem todos os sentimentos,

Talvez o prazer

De ler,

Talvez o prazer de nada fazer.

 

Quando acorda a madrugada

E poisa docemente no chão

A triste geada;

E este alegre coração,

Voa sobre o mar agachado na areia…

 

Talvez o prazer

De ler.

Talvez o prazer

De escrever.

Talvez seja tudo isto que me chateia.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/12/2021

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Cidade das gaivotas amar

 

Fui à cidade em busca do teu olhar,

Procurei na cidade, o silêncio do teu olhar,

Sentei-me junto ao mar,

Na cidade,

Onde perdi os teus lábios madrugada,

 

E hoje, habitam os teus cabelos de vento amanhecer.

Venho da cidade,

Com medo de te perder,

Com medo da alvorada.

Fui à cidade,

 

Em busca de minha amada,

E na cidade, sentei-me,

No colo da manhã, antes de acordar.

Estou na cidade,

E sinto o meu corpo a arder,

 

Como uma fogueira desvairada,

Dançando na madrugada,

Brincando no mar.

Venho da cidade,

Oiço as vagas contra os rochedos nocturnos do desejo,

 

Que na tua boca,

Se desenha o beijo.

Estou na cidade,

Procuro nela a tua sombra antes de acordar,

E uma gaivota, te transporte para o mar,

 

Para o mar da cidade das gaivotas amar!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/12/2021

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Grito

 

Quando o teu corpo baloiça

Na tempestade,

E um pássaro de loiça,

Em pedacinhos, grita “Liberdade”.

 

E esse pássaro aos gritinhos

Suspenso na madrugada,

Oiço dos ninhos,

Os ninhos da passarada.

 

E quando no teu corpo se escreve a canção;

Grita a alvorada,

Grita o coração.

 

Grita o coração

E chora a madrugada,

Grita, grita a nação.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 07/12/2021

domingo, 5 de dezembro de 2021

Sete sílabas de sono

 

Sete sílabas de sono,

Dormem no meu peito ofegante,

Contaminado pelo silêncio cigarro,

Sete sílabas de sono,

Cansadas da lua brilhante,

Pensam em ter-me agarrado,

Mas eu,

Com as sete sílabas de sono,

Corri para o mar…

Sete sílabas de sono,

Filhas do amargo cigarro,

Dormem no meu peito amargurado,

Sete sílabas de sono,

Sete silabas de amar,

Dormem no meu peito ofegante,

Sete sílabas de sono,

Prontas para zarpar,

Deste rio sem nome…

Sete sílabas de sono,

Que amam,

Que dormem…

Que têm fome,

Fome das palavras que como.

Sete sílabas de sono,

Três janelas para a escuridão,

Sete sílabas de fome

Dentro de sete sílabas sem nome,

Sete sílabas de fome,

Que abraçam e amam…

As sete de sílabas de sono,

Que habitam o meu coração.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 5/12/2021